Opinião

Uma lógica para os transportes

Washington Novaes
Tal como o tema da transposição de águas do Rio São Francisco, assombração que aparecia e desaparecia no Brasil ao longo de mais de um século, até o projeto ser levado à prática (contrariando cientistas, técnicos, ambientalistas, comitê de gestão da bacia, etc.), outra assombração recorrente volta mais uma vez ao noticiário - o projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins, talvez estimulado pela defesa que dele fez o ministro do Meio Ambiente, ao anunciar o veto às hidrelétricas no primeiro rio, em julho do ano passado, bem como um projeto do governo do Pará de operacionalizar essa hidrovia.


Muitas pessoas menos próximas da realidade concreta até defendem em princípio esse projeto, com o argumento de que hidrovias prejudicam menos o meio ambiente e permitem um custo de transporte inferior ao das rodovias e ferrovias. Mas não é o caso do Araguaia, com seus 2.115 quilômetros de extensão. Porque se situa numa região de formação geológica relativamente recente, onde a movimentação de camadas é ainda muito forte, até mesmo com cones de dejecção de areia de baixo para cima - o que explica não ter o rio um canal navegável permanente, pois a intensa movimentação de sedimentos desloca esse canal a cada ano. Uma medição feito por hidrólogos da Universidade Federal de Goiás em Aruanã, ainda no trecho médio do rio, mostrou que passam por ali a cada ano 5 milhões de toneladas de sedimentos.

Agora, está na pauta projeto apresentado pela senadora Kátia Abreu, também presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, que propõe a criação, na calha principal do Araguaia, do primeiro "rio parque" do País. Segundo o projeto, ficariam proibidos ali barragens, eclusas, comportas, derrocamento de pedrais e alargamento de canais que "alterem o curso natural do rio ou a calha principal". Se aprovado e levado à prática, o projeto inviabilizará a hidrovia. Porque implantar ali um canal permanente para a navegação de barcos de carga pesada exigiria a dragagem anual, durante séculos, de milhões de toneladas de sedimentos (obra dos sonhos de empreiteiros), que ninguém sabe onde seriam depositados. Da mesma forma, a retirada de uma quantidade brutal de rochas. E tudo isso ainda levaria a prejuízos consideráveis para a diversidade vegetal e animal.

A questão da hidrovia do Araguaia faz parte de um contexto maior, que é o da inacreditável logística de transportes (ou sua falta) no País. Primeiro, a partir da década de 1950, com a prevalência do modelo rodoviário no País e o simultâneo sucateamento da rede ferroviária nacional, que tinha custos de implantação e manutenção muito menores. Depois, com a inviabilização ou postergação de projetos que poderiam ter revertido o quadro. É o caso, por exemplo, da Ferrovia Norte-Sul.

Em 1987, quando foi lançada a licitação para esse projeto, uma denúncia de irregularidades na escolha do consórcio de empreiteiras vencedor levou a que se confundisse tudo e se inviabilizasse toda a obra. Com graves prejuízos para o País. Que perdia a possibilidade de colocar as safras de grãos do Centro-Oeste diretamente num porto do Maranhão (sem precisar viajar até os portos do Sudeste/Sul), com forte redução do custo de transporte para a Europa e países do Pacífico (via Canal do Panamá). Essa redução de custo tornaria os grãos brasileiros mais baratos, por exemplo, que os norte-americanos nos mercados externos - e isso chegou a provocar cogitações de que a denúncia de irregularidades na licitação teria sido provocada por informações vindas de fora do País. Com isso perderam não apenas os produtores de grãos. Desperdiçou-se a possibilidade de contribuir para a descentralização econômica no País, a redução das disparidades regionais, a racionalização da matriz de transportes, avanços na balança comercial.
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