Opinião

O Rio perde essa guerra

Editorial do Estadão
Terá sido por infeliz coincidência que, poucos dias depois de o Rio de Janeiro ter sido escolhido para sediar a Olimpíada de 2016, a cidade passe por mais uma violenta experiência, no campo da segurança pública? Numa batalha entre traficantes, na disputa por pontos de drogas, e em confronto com a polícia, morreram 16 pessoas - entre as quais 3 policiais militares que estavam em um helicóptero abatido a tiros pelos traficantes. O aparelho dava apoio a 120 homens da Polícia Militar (PM), empregados em operação para acabar com o confronto. Tratava-se de uma batalha originada na invasão pelos traficantes do Morro de São João, no Engenho Novo, no Morro dos Macacos, na Vila Isabel, cujo "mercado" pretendiam conquistar. Atingido pelos disparos, o helicóptero explodiu logo após pousar num campo de futebol. Em outro ponto da zona norte, perto da Favela do Jacaré, oito ônibus foram incendiados, segundo a PM, para desviar a atenção da polícia do conflito no Macacos.

O fato é que não há novidade alguma na violência, na ousadia, nos recursos bélicos e na grande capacidade operacional do crime organizado, há muito tempo instalado na cidade do Rio de Janeiro, onde vive principalmente da exploração dos pontos de venda de drogas nas favelas dos morros. Faz tempo, também, que os líderes do tráfico desenvolveram recursos e capacidades que lhes permitem desafiar, permanentemente, o Estado - não raro substituindo abertamente as instituições formais, oferecendo à população "serviços públicos" que o Estado lhe sonega, entre os quais a segurança.

Mas os bandidos ainda não tinham realizado a proeza de derrubar um helicóptero. Em qualquer lugar do mundo onde haja ocorrência semelhante, poucos deixarão de considerá-la como algo próprio de um conflito de grandes proporções.

E talvez seja por se classificar assim - um conflito de grandes proporções - o que se passa no Rio que muitas autoridades e observadores usem expressões totalmente impróprias, se não absurdas, para definir a ação da polícia contra o crime organizado que controla as favelas cariocas. O que os órgãos de segurança pública do Estado fazem é cumprir a lei para tentar manter a ordem pública. Não "invadem" nem "ocupam" território algum. E, na verdade, se grande parte das operações que as forças do Estado realizam nas favelas dos morros cariocas, para neutralizar ou pelo menos reduzir o domínio dos criminosos do tráfico, não tem êxito, é porque lá não permanecem. As tropas policiais chegam aos morros, quase sempre matam e prendem traficantes e apreendem armas, mas depois vão embora e nada muda no quadro de dominação do crime organizado.

Por outro lado, as comunidades estabelecidas nessas favelas necessitam de serviços que o Estado não lhes oferece - razão por que acabam acolhendo os serviços que a estrutura do crime organizado lhes oferece, mesmo ao alto custo da obediência cega, sob pena de severas punições. É, portanto, mais que claro que a atuação do poder público junto a essas comunidades - no campo da saúde, da educação, dos esportes e do lazer - é algo tão (se não mais) importante quanto as operações policiais contra os traficantes.

Depois da tragédia de sábado, foram para as ruas do Rio de Janeiro mais de 4 mil policiais civis e militares, quase o dobro do efetivo normal. Nem assim o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, elide a possibilidade de ocorrerem novos ataques de traficantes na cidade. Como fez questão de acentuar, a polícia pode prevenir algumas iniciativas de bandidos, mas é impossível se antecipar a 100% delas. Ele não descarta a possibilidade - diríamos, a certeza - de que haja novas disputas territoriais entre traficantes, como a de sábado. "Isso historicamente também sempre aconteceu", afirmou o secretário de Segurança. Mas essa história precisa ser mudada - e para isso são necessários investimentos de vulto em equipamentos de inteligência, em armamentos e, principalmente, em qualificação e treinamento das polícias civil e militar.
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