Opinião

Ameaças à imprensa

Editorial do Estadão
No tempo em que as ditaduras infestavam a América Latina, censura então imposta à imprensa era um corolário do arbítrio. Nas últimas duas décadas a região passou por um processo de redemocratização e os latino-americanos - com a exceção dos de Cuba - voltaram a poder exercitar a plena liberdade de expressão. Mas os tempos estão mudando de novo e em alguns pontos da América Latina já se registram manifestações cada vez mais explícitas de intolerância sob variadas formas de cerceamento da expressão.

A grosseira tentativa de intimidação, levada a efeito pelo governo Kirchner contra o principal grupo de comunicação da Argentina - que edita o diário Clarín -, é a mais nova agressão à liberdade de imprensa de uma verdadeira onda censória que varre vários regimes que se pretendem democráticos da América Latina. Na quinta-feira, mesmo dia em que o jornal portenho publicava uma reportagem revelando a concessão de um subsídio irregular de mais de 10 milhões de pesos (US$ 2,5 milhões) do Escritório Nacional do Controle de Qualidade Agropecuária, órgão subordinado à Receita argentina, a uma empresa agropecuária sem registro, um batalhão de cerca de 200 auditores fiscais ocupou a sede do Clarín, enquanto dezenas de outros agentes faziam o mesmo em outras unidades do grupo de comunicação e nas residências de seus executivos, apreendendo documentos, livros fiscais e interrogando funcionários. Coisa parecida não ocorrera nem mesmo durante o período mais duro do regime militar argentino.

As investidas do casal Kirchner contra a imprensa, em geral, e o Clarín, em particular, vêm desde que Néstor chegou ao poder, em 2003. O casal não aceita críticas dos jornais que, como tantos outros "companheiros" das vizinhanças, acusam de "golpistas". Desde 2008, quando entraram em conflito com os produtores rurais, os Kirchners acusam os meios de comunicação - e novamente o Grupo Clarín é o alvo predileto - de "desestabilizar" o governo. E o conflito tem recrudescido a ponto de a presidente argentina tentar aprovar no Congresso, a toque de caixa, uma nova lei de radiodifusão feita para contrariar interesses comerciais do Clarín e de outros grupos privados ao conceder a estes a exploração de apenas 33% dos canais de televisão, deixando os outros dois terços para o poder público, ONGs, igrejas, universidades e sindicatos. A propósito, organismos de defesa da liberdade de imprensa têm afirmado que vários jornais, TVs e rádios foram comprados nos últimos anos, na Argentina, por empresas sem tradição na área de mídia - mas todos tendo em comum o fato de serem "amigos dos Kirchners".
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