Brasil

Ética, governabilidade e tecnologia

Ruy Fabiano no Blog do Noblat
Está cada vez mais difícil governar (e a referência envolve os três Poderes) nos padrões de conduta a que se acostumaram os homens públicos no Brasil. É cada vez maior a demanda por integridade e transparência, hoje rastreáveis por engenhocas eletrônicas de inimaginável precisão.
Em breve, não se espantem, haverá meios de captar e expor o próprio pensamento do infrator. E a legislação há de acompanhar a evolução tecnológica, criando mecanismos punitivos preventivos. É possível que se chegue à honestidade não por razões morais, mas por imperativo tecnológico.
Uma simples frase despropositada, como a da ministra Marta Suplicy, sugerindo orgasmos como antídoto à crise aérea, pode gerar demissão e crise. Dentro desse contexto, o governo Lula vive situação inusitada: é simultaneamente expectador, protagonista e laboratório dos novos tempos. Deflagrou o presente processo de operações policiais em série, mas não tem meios de detê-lo - e muito menos de evitar que respingue em si próprio (vide caso Vavá).
Também a Polícia Federal reproduz internamente a divisão política do país. A investida contra uma facção gera pronta represália por parte de outra. Por isso, as punições em curso começaram contra adversários do governo e, na seqüência, chegaram ao irmão do presidente da República. Presentemente, os partidos políticos sentem-se unidos por um traço comum e indesejável: o pânico. Unidos pelo avesso.
Ninguém quer a CPI da Navalha, a não ser aquelas exceções que confirmam a regra - e estão abaixo do quorum mínimo necessário. Os parlamentares, da oposição e do governo, sabem que não se trata de expor ao strip-tease moral e político um ou dois personagens, mas o conjunto das instituições do Estado.
Esse processo decorre de uma convergência de fatores, cujo epicentro é a saturação da sociedade, associada a avanços tecnológicos que favorecem a investigação de pistas e geram provas inesperadas. A informática deu asas à informação. E é a informação, a facilidade cada vez maior em obtê-la e difundi-la, que está na base de todo esse alvoroço, que expõe as vísceras do Sistema. À mídia tradicional, somou-se a mídia dos blogs, que impulsiona os demais veículos, constrangendo-os de esconder informações.
No passado, quando um poderoso queria abafar notícia inconveniente, bastava conversar com meia dúzia de proprietários de jornais. Hoje, o leque é tão extenso que inviabiliza essa estratégia. Sempre haverá alguém, em alguma trincheira cibernética, disparando notícias, incomodem a quem incomodar. E a grande mídia se sentirá obrigada a aderir para não perder conceito e clientela.
Em resumo, delinqüir já exige cada vez mais sofisticação e cuidados. Os cheques são nominais, os sigilos telefônico e fiscal facilmente rastreáveis e a imprensa é livre para contar tramas e expor traumas. Isso reduz a margem de cumplicidades. Quanto maior o risco, menos atraente a empreitada.
O delinqüente pode até livrar-se da cadeia, em função dos infinitos truques da legislação processual brasileira, mas não se livra do estigma, decorrente da exposição pública de seu delito. Por isso mesmo, como a expectativa de condenação judicial é remota (um bom advogado faz maravilhas), o ânimo punitivo concentra-se na mídia, que tem sido alvo da fúria geral dos políticos, com o presidente Lula a comandar o coro dos descontentes.
Mas a mídia, com todas as suas limitações e falhas (é, afinal, comandada por seres humanos), não inventou a Operação Navalha, nem o Vavá, nem a Gautama - nem, antes deles, o mensalão. Ela registra as anomalias. Não as produz. É como o termômetro, que denuncia a febre, mas nem a causa, nem a soluciona.
Honestidade tornou-se moeda de valor ─ e não apenas por ser rara, mas por expressar demanda inapelável da sociedade, que a quer como moeda-padrão. A tendência da peneira moral na vida pública brasileira ─ e isso vale para todos, situação e oposição ─ é estreitar-se. Ignorar essa tendência é candidatar-se a ser expelido por ela.
Ruy Fabiano é jornalista

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