Cadê?

O Anchieta sumiu! Chama o Cunhambebe

O Anchieta, aquela escultura (sic) que há muitos anos decora a Praia do Cruzeiro, sumiu. Há tempos necessitava reparo, pois seu braço fora decepado por ação de vândalos. Sem segredo. A Prefeitura e a Fundart decidiram retirá-la para providenciar o conserto. Nada mais regular. O problema é outro. Não há quem goste dessa estátua. É tosca, nada original, feita em fábrica... Está na hora de substituí-la. Através de concurso entre escultores locais, por que não? E o mais importante: já que estamos homenageando personagens históricos, por que não resgatar o papel de Cunhambebe, aquele que tentou defender sua gente, sua terra, da invasão assassina européia? Será menos importante que o Padre Anchieta? Qual o verdadeiro valor histórico dos dois?
Vamos comparar. Um padre poeta, a serviço do império português e do governador local invasor, usando sua inteligência para dar uma justificativa ética à dominação. O que sua poesia dizia, em resumo? “Vocês são selvagens, nem sequer humanos. Nós trazemos a luz, a verdadeira ligação com Deus. Queremos explorar os produtos desta terra e vendê-los na Europa. Quem não quiser morrer, ajoelhe sob nossa espada, aprenda a rezar em latim e depois vem trabalhar pra gente.”
Mas aqui entra a história dos derrotados. Aqueles que não sucumbiram facilmente aos invasores, como Cunhambebe, Aimberê, Coaquira, chefes das tribos tupinambás locais. Sua resistência está soterrada bem debaixo de nossos pés, assim como sua história – ignorada pelos historiadores brancos colonizadores. Terminaram derrotados, mortos e ninguém conta sua história. Imagino que se tivessem vencido, a história deles seria outra. Deveriam estar falando agora: “ainda bem que derrotamos aqueles portugueses sujos e selvagens! E conseguimos continuar vivendo com nossos rios limpos, nossa caça, cultivando nossos deuses e falando nossa língua. Ainda bem que não construíram em cima das nossas matas aqueles prédios horríveis, que fedem a esgoto, com pequenas caixinhas apinhadas de gente.” Muito provavelmente, no lugar da estátua do Padre Anchieta, teríamos uma de algum chefe indígena, e Ubatuba ainda seria aquele paraíso que os brancos encontraram.
Então temos dois símbolos a escolher: um dominador, a serviço da exploração do trabalho escravo e da “catequização obrigatória”, e outro, da resistência, da vida natural integrada com o ambiente.
É hora de escolher. Não vai fazer qualquer diferença. O que passou, passou. Mas para que possamos andar por aí com a consciência tranqüila, sem essa culpa de ser branco europeu, poderíamos ter também ao lado de Anchieta, uma estátua de Coaquira e até uma outra, pra sermos ainda mais justos: a do trabalhador negro escravo.
Já que é pra homenagear, sejamos honestos. Somos herdeiros dos três.


Beto Segantini

jornalista, músico, compositor

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