Opinião

Uma nação de inadimplentes

Estadão
Mais de um quarto de toda a população brasileira está com nome sujo, isto é, inscrito em algum cadastro de inadimplentes: são 56,5 milhões de pessoas com dívidas em atraso, segundo estimativa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Esse número é bem maior que o de habitantes da Espanha (46,8 milhões), e quase tão grande quanto o dos moradores da Itália (60 milhões). Seriam necessários três Chiles, incluída a parcela de bebês, para perfazer esse contingente de devedores. Não se trata de um país de caloteiros, mas de milhões de pessoas afetadas pelo desemprego (8,1% da força de trabalho), pela inflação disparada (perto de 9% ao ano), pela perda de renda, pela contenção do crédito e pelos juros muito mais altos que os da maior parte do mundo. A conjunção desses males é visível na inadimplência elevada, na redução do consumo e na baixa do padrão de vida. 

De abril para maio as vendas no varejo caíram em 7 das 10 atividades comerciais cobertas pela pesquisa mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No chamado varejo restrito o volume de vendas diminuiu 0,9% de um mês para outro e ficou 4,5% abaixo do total apurado em maio de 2014. A queda mensal foi a maior observada em maio desde 2001, segundo o IBGE. O resultado foi pior no varejo ampliado, no qual se incluem também as vendas de veículos, partes e peças e material de construção. Nesse conjunto de lojas o volume vendido em maio foi 1,8% menor que o do mês anterior e 10,4% inferior ao de um ano antes. 

Embora as quedas tenham ocorrido em quase todos os tipos de lojas, a redução das vendas de carros, motos e componentes mais uma vez afetou fortemente o resultado geral. Em maio o total vendido foi 4,6% menor que o de abril e 22,2% inferior ao de igual mês de 2014. Esse desempenho reflete a redução dos incentivos fiscais ao setor, a contenção do crédito e também a perda de renda e a insegurança dos consumidores diante das perspectivas de uma economia em recessão. De janeiro a junho as montadoras produziram 1,28 milhão de veículos, 18,5% menos que um ano antes. Em um ano os empregados nas fábricas diminuíram 9,6%, de 151,4 mil para 136,9 mil. 

Duramente afetado pela crise, o setor automobilístico demitiu, pôs pessoal em férias coletivas, recorreu ao lay-off (suspensão temporária de contratos) e pressionou o governo por uma solução especial. A resposta foi o Programa de Proteção ao Emprego, lançado na semana passada, com um esquema para redução de horas de trabalho e de corte de salários atenuado parcialmente com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Formalmente, pelo menos, o programa foi concedido para atender a todos os setores interessados. Falta o governo provar essa disposição.

As vendas de material de construção (11,3% menores que as de maio de 2014) e de móveis e eletrodomésticos (18,5% abaixo do total de um ano antes) comprovam tanto a piora da renda familiar quanto o emperramento dos programas de moradias e de suprimento de utilidades domésticas. A construção habitacional já avançava devagar antes do agravamento da crise, mas ainda servia à propagada do governo. Com a piora do quadro geral, nem isso restou. 

A inadimplência ficou praticamente estável de maio para junho, com redução de 0,03% do número de devedores. Mas o total continuou na altura de 56,5 milhões, cerca de quatro populações do Chile e bem mais que a da Argentina (42,6 milhões). Na comparação com junho de 2014 o número cresceu 4,52%. Nessa mesma comparação, o aumento foi liderado pela inadimplência das contas de água e luz, com variação de 15,6%.

Essa variação é atribuível na maior parte à elevação das tarifas, mas deve indicar também uma estratégia das famílias.Atrasa-se um mês o pagamento e liquida-se a conta antes do desligamento da água ou da luz. Contra aumentos desse tipo a defesa das famílias é limitada. Podem gastar menos, mas sem derrubar a tarifa. Ao contrário de outros preços, os dos serviços de utilidade pública resistem à redução da demanda. 

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