Opinião

Toque de recolher

O Estado de S.Paulo
Quando não se pode ganhar uma guerra nem perder a face, a solução é declarar vitória e retirar as tropas. Atolados no Afeganistão desde 2001 no que o presidente Barack Obama viria a chamar de "guerra por necessidade", em contraste com a "guerra por escolha" no Iraque, os Estados Unidos conseguiram dispersar o inimigo que os levou até lá - a Al-Qaeda do afinal eliminado Osama bin Laden -, mas não conseguiram enfraquecer os fundamentalistas islâmicos do Taleban que lhes davam ajuda e conforto.

Contida a ameaça terrorista que emanava do território afegão, deixou de ter sentido estratégico, político e financeiro continuar expondo às incursões da insurgência os 90 mil americanos ali acantonados (e os seus 40 mil camaradas de 12 outras nacionalidades) apenas para sustentar o governo venal, incapaz e trapaceiro do presidente Hamid Karzai e impedir que o país volte a ser dominado pelo fanatismo medieval dos taleban. Em um decênio de conflitos, ao custo devastador de meio trilhão de dólares, morreram perto de 1.900 militares americanos e cerca de mil de outras nações, além de 23 mil afegãos, entre civis e soldados.

No ano passado, depois de reforçar com mais 30 mil homens os efetivos no Afeganistão e ordenar a intensificação dos ataques dos aviões não tripulados à guerrilha, Obama marcou para o final de 2014 a transferência completa aos afegãos das operações contra os insurgentes e a volta das tropas para casa. Vinte e dois mil militares devem sair nos próximos meses. Eis que, anteontem, a caminho de uma reunião da Otan para tratar precisamente da questão afegã, o secretário americano de Defesa, Leon Panetta, anunciou que o país deixará de participar do combate direto ao Taleban já no segundo semestre do ano que vem.

A missão das tropas remanescentes será "aconselhar e assistir" as forças afegãs de segurança. Estas, por sinal, serão reduzidas dos atuais 350 mil soldados para um número ainda indeterminado em razão do seu custo - US$ 6 bilhões anuais -, incompatível com o achatamento dos cofres americanos e dos seus aliados europeus. A grande maioria deles, se não todos, aguarda com ansiedade a hora de entregar o Afeganistão à própria sorte - e seja o que Alá quiser. Ainda há pouco, depois do assassínio de quatro soldados franceses por um militar afegão durante uma sessão de treinamento, o presidente Nicolas Sarkozy, cujas perspectivas de reeleição são cada vez mais sombrias, apressou-se a prometer que não esperará 2014 para repatriar os 3.800 militares de seu país.

Obama também só tem a ganhar nas urnas se apressar a aplicação do "modelo ao Afeganistão - menos soldados nos quartéis e nenhum em batalha. Há mais do que isso em jogo. A mudança no cronograma decerto está associada aos primeiros ensaios de conversações entre americanos e taleban, com a intermediação do Catar. A demanda imediata da insurgência, como prova de boa-fé do interlocutor, é a libertação de cinco dos principais militantes detidos em Guantánamo. Karzai, a quem os taleban abominam mais do que aos americanos, se opõe ao trato, alegando que afronta a soberania de seu governo. O fato é que, para o Taleban, cedo ou tarde o movimento tomará o poder em Cabul.

Pelo menos essa é a conclusão do mais recente relatório sobre a guerrilha preparado pela inteligência militar americana, com base em interrogatórios de 4 mil suspeitos de integrá-la. O seu manifesto otimismo parece desmentir as versões oficiais de que o Taleban está alquebrado. Não menos importante é a admissão dos presos de que a insurgência não apenas recebe pleno apoio do ISI - o temível serviço de segurança do vizinho Paquistão -, mas é por ele controlada. Os Estados Unidos precisam se desvencilhar do cipoal afegão por duas outras razões. A primeira é logística: a anunciada ampliação da presença militar americana no vasto entorno da China, com a instalação de uma base na Austrália. A segunda é principalmente política: a eventualidade de que o contencioso com o Irã desande de vez induz os EUA a se desembaraçar de tudo o mais na esfera islâmica.

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