Coluna do Rui Grilo

Dia da Dona Antonia

Rui Grilo
Começando a acordar pensei em fazer um texto em homenagem às mulheres falando da Clarice Herzog, da mãe do Henfil e do Manoel Fiel que sofreram a perda de seus entes queridos vitimados pela ditadura. Mas logo pensei que essa história e essas mulheres muitos já conhecem e há milhares de mulheres anônimas que lutam pela sobrevivência de si e de seus filhos. Diz o censo que são mais de 30% as mulheres chefes de família.

Imediatamente pensei na Dona Antonia, pessoa muito respeitada por todos aqueles que a conheceram. Quase analfabeta, lutou para que os nove filhos estudassem e tivessem mais oportunidades do que ela.

Comecei a chamar minha mãe de Dona Antonia por brincadeira e com o tempo nós dois nos acostumamos com esse tratamento, diferente dos meus irmãos que sempre a chamavam de mãe.

Não sei até que ano que estudou mas tinha muita dificuldade em ler e escrever. Com a cunhada começou a aprender a costurar e, com a sogra, a cozinhar e a fazer quitutes mais requintados que o arroz e o feijão. É verdade que fazia poucas comidas diferentes, mas todos que saborearam o frango refogado, o pastel com tempero de salsa e cebolinha, o arroz doce com canela e raspas de limão galego, nunca mais se esquecem. O cuscuz era o meu predileto. Sempre que eu ia à Sorocaba visitá-la sabia que iria comer cuscuz.

Eu me lembro que quando as coisas começararam a ir de mal a pior, entrou em uma escola de corte e costura e essa atividade foi uma das que contribuíram para manter a casa.

Meu pai era o filho do fazendeiro que estudou no Coração de Jesus, cujas filhas estudaram no nos melhores colégios da Capital, o Sion e Des Oiseaux. E ela, por quem meu pai se apaixonou, era a filha de um empregado da fazenda . Acho que para conseguir sua autonomia e sair do jugo de uma sogra que nunca a valorizou, resolveu sair de Rancharia e vir para Sorocaba onde imaginava que iria ter melhores condições de vida. Lá, nasceram mais três filhos, completando oito.

O único que morreu, foi bem depois da morte dela.

Eu me lembro dela chorando porque não tinha dinheiro para comprar remédio para o filho que estava doente... mas também me lembro dela muito forte e feliz com o sucesso dos filhos. E a maior lição que levamos dela é a luta pela autonomia e respeito pelo outro, sempre incentivando e nunca impedindo que saíssemos debaixo de sua asa. Tenho certeza que ela nunca quis que continuássemos pintinhos mas que conquistássemos a nossa liberdade e fôssemos donos da nossa vida.

Como foi empregada doméstica e sabia das humilhações que os empregados sofriam, nunca nos impediu de participar do sindicato e do grêmio da faculdade, mesmo na época da ditadura. Sempre nos alertava para que tivéssemos cuidado e sabia ela que tinha medo pelo que pudesse nos acontecer. Mas a própria experiência lhe ensinava que a autonomia é algo que se conquista com luta.

Quando ouço Mercedes Sosa “Quanto Trabalho”, imediatamente me lembro dela. Mas é muito difícil ouvir, sem um aperto na garganta, qualquer música de Tonico e Tinoco, de quem era fã.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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