Opinião

A inundação de dólares continua

O Estado de S.Paulo - Editorial
Sobram dólares no mundo e a enxurrada de moeda americana continua forçando a valorização do real, para desespero dos exportadores e de outros empresários expostos à concorrência estrangeira. O real valorizado encarece os produtos brasileiros, dificulta as vendas ao exterior e estimula as importações. Para atenuar o problema, o Banco Central (BC) e o Ministério da Fazenda tentaram criar barreiras contra a inundação cambial, mas com sucesso limitado. Do começo de janeiro até 4 de março, o ingresso líquido (entradas menos saídas) chegou a US$ 24,36 bilhões, superando o de todo o ano passado, de US$ 24,35 bilhões. Desde janeiro economistas do governo vêm discutindo novas medidas para conter a valorização da moeda brasileira, mas a decisão é difícil, porque toda intervenção no mercado de câmbio tem efeitos colaterais e pode resultar em danos importantes para a economia.

O Ministério da Fazenda já procurou limitar o ingresso de dólares por meio da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em breve intervalo, o governo tomou duas medidas com base nesse tributo, num esforço para desencorajar as aplicações especulativas. No começo de janeiro, o BC procurou reforçar essa política, impondo aos bancos um limite para suas posições vendidas. Com essa iniciativa, tentou-se desestimular as apostas na valorização da moeda nacional. Até abril os bancos terão de completar o ajuste de suas carteiras. Até o fim de fevereiro, pelo menos, o efeito dessa medida parece ter sido nulo.

As ações mais eficazes têm sido, aparentemente, as compras de moeda americana pelo BC. O regime de câmbio flutuante continua em vigor, mas a autoridade intensificou suas intervenções no mercado. Embora tenham entrado no País mais dólares do que em todo o ano passado, o câmbio pouco tem oscilado. Passou de R$ 1,664 por dólar no fim de 2010 para R$ 1,659 na última quinta-feira, com variação de apenas 0,3% entre as duas datas. No meio da tarde de ontem a cotação do dólar - R$ 1,667 - superava ligeiramente a do encerramento do ano passado.

Mas a intervenção do BC tem resultado numa enorme e custosa acumulação de reservas. O estoque de moeda estrangeira passou de US$ 288,58 bilhões em 31 de dezembro para US$ 311,05 bilhões em 9 de março, com variação de US$ 22,47 bilhões em pouco mais de dois meses. A aplicação desse dinheiro rende menos que o custo de sua manutenção. Esse dado pode não ser um argumento decisivo contra a acumulação de reservas.

Dólares em caixa podem ser um importante fator de segurança em tempos de crise e isso foi confirmado mais uma vez em 2008. Mas o custo não é desprezível e, além disso, a compra de dólares envolve a emissão de títulos para neutralizar a emissão da moeda necessária às operações. As intervenções produzem, portanto, importantes efeitos perturbadores.

Algo vai mal, de toda forma, quando a autoridade é forçada a intervir no mercado para conter um influxo indesejado de moeda estrangeira. Mas não há solução fácil para esse problema, e, além disso, o ingresso de moeda estrangeira também produz alguns efeitos benignos. A valorização cambial tem ajudado a conter a inflação, facilitando as importações e contribuindo para reduzir o desequilíbrio entre a demanda e a oferta agregadas. Além disso, o País precisa de dólares para cobrir o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos. Mas os dólares mais desejáveis são os do investimento direto, não os da especulação ou do endividamento. Parte do ingresso, no entanto, corresponde a empréstimos tomados no exterior por empresas brasileiras.

Se o BC interromper a alta de juros, deixará de alimentar um dos fatores de atração de dólares. O recurso a outros meios para combater a inflação, como a limitação da capacidade de empréstimo dos bancos, poderá substituir em parte a política de juros.

Mas o BC continuará com pouca margem de ação, enquanto o governo continuar gastando mais do que deveria e contribuindo, portanto, para inflar a demanda. Para mudar esse quadro, o Executivo precisará, quase certamente, cortar de suas despesas mais que os R$ 50,1 bilhões anunciados há pouco tempo.

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