Ramalhete de "causos"

“Ah, bendito cipó!”

José Ronaldo dos Santos
Em 1980, trabalhando como recenseador na Zona 13 (Bairro do Itaguá até Ponta do Farol), eu tive a oportunidade de conhecer muita gente boa, muitos caiçaras antigos. Dentre estes, o casal Janguinho e Santana. Desta não posso deixar de dizer: foi a última parteira dessa região. Na modesta casa, numa rua de acesso à praia do Tenório, passei metade de uma tarde conversando com os dois, sobretudo com o seu Janguinho, pois a sua esposa estava sempre correndo atrás de uma coisa ou outra, cuidando de um neto recém-nascido por nome de Joãozinho. Foi o casal que me indicou o seu Benedito para saber mais coisas de caiçara.

Terminei esta mesma tarde na praia Vermelha, depois do Tenório, conversando com o mestre Benedito Correia Leite, continuador da dança trazida de Santa Catarina por João Vitório, da praia da Enseada. Aquele fim de dia me marcou bastante; o céu ainda estava azul; o cenário era, a partir de um banco sob um abricoeiro, o lindo mar que dali se avista. De longe o Baguari, no aguardo do crepúsculo, parecia nos espiar como se quisesse participar da prosa. Os assuntos variavam, mas o tema era sempre o caiçara. Quando lhe contei que até pouco tempo estava trabalhando com o doutor Francisco Lara, catando cipó para os seus bichos de pesquisa, ele se enveredou no assunto. Foi com ele que, pela primeira vez, escutei sobre o cipó agarra- macho. Assim contou o saudoso mestre de dança-da-fita:

“Você conhece o cipó agarra-macho? Dele não tem muito por aqui. Que eu saiba, tem na ilha do Pontal, lá para as bandas da Maranduba, entre o Sapê e a Lagoinha. Também não é muita gente que tem necessidade dele. Somente serve para homem que não é bem homem; que não sente atração por mulher como nós sentimos”.

Esta foi a primeira vez que um caiçara passou tão próximo da questão da homossexualidade. Era e continua sendo tabu falar dessa opção. E continuo o narrador:

“Algumas pessoas dizem até que isso é desvio, tal como a mulher fêmea-e-macho. Sujeito assim é desviado. É disso que vem a palavra viado. Eu não sei muito disso; por aqui são poucos os declarados; nunca vi ninguém ser desmerecido por isso. Tai o filho da minha prima: vive assim e assim vive; parece sempre feliz! Se respeita porque Deus sabe o que faz. O que existe é porque Ele permite. O meu amigo frei Tarcisio, italiano, disse que na terra dele também é assim. Sempre existiu. Prova disso que o cipó por nome de agarra-macho é conhecido porque vem dos índios, do tempo que nem português tinha no Brasil”.

Nisso, aproveitando de que alguma coisa causou distração, o bondoso homem, com seus olhos azuis combinando com o céu naquele momento, foi buscar uma chaleira de café e duas canecas de ágata. Em seguida chegou uma criança trazendo na cuia pedaços de beiju. Que prazer indizível! Depois do primeiro gole, o assunto continuou:

“Então, conforme dizia eu, já havia entre os índios aqueles que não eram atraídos pelas mulheres. Melhor dizendo: queriam outros homens como companhia, para a fornicação que todo mundo sente necessidade. É natural, né? E o tal do cipó servia para fazer um chá que ajudava nisto: para arranjar namorado. Tinha que preparar e oferecer ao homem cobiçado. Depois era um agarra-agarra só; carinhos pra todo lado. Creio que tem gente que ainda recorre ao agarra-macho”.

Impressionante! E mais coisas eu ouvi do nosso saudoso mestre!

Contando isso em diversas ocasiões, houve pessoas que queriam mais detalhes do tal cipó, da tal ilha onde ainda é possível encontrá-lo. Um, com aparência de muito macho, em frente ao colégio, assim exclamou: “Ah, bendito cipó! Como eu preciso de um!”.

Leitura recomendada: Crônicas de viagem, de Cecília Meireles.

Boa leitura!

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Comentários

sidney borges disse…
Tem cada coisa maluca nesse mundaréu tropical. Cipó agarra-macho. Cruz Credo!

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