Coluna do Rui Grilo

O papel da sociedade civil no desenvolvimento, na sustentabilidade e na segurança

Rui Grilo
“A máfia se relaciona bem com a comunidade ao redor. Com os pobres, o mafioso é populista e leal. Compra respeito com pequenos favores, sejam eles bicicletas ou atos de vingança. Mas é implacável com quem não se submete. Com os ricos e poderosos, faz parcerias e participa de festas.

[...]Toda máfia que se preze tem policiais e juízes na folha de pagamento”*

O cinema, mesmo como ficção, tende a refletir sua época, problemas e valores. Recentemente, vários filmes tem abordado as relações entre as instituições públicas e sociais com a corrupção.

O neoliberalismo, ao pregar o estado mínimo tende a substituir ações feitas pelo estado por empresas que, no sistema capitalista tem como objetivo principal o lucro e não o bem estar da pessoa humana.

Outra solução é a terceirização para ONGs – organizações não governamentais – e o que temos visto é que poucas sobrevivem sem recursos do estado e nem estão isentas de corrupção e de desvios, servindo a maior parte do dinheiro repassado pelo estado para manter os integrantes dessas ONGs e não para a atividade fim a que se destinava. O atendimento ao pobre é um pretexto para que os membros das instituições tenham acesso a verbas e prestígio social. Esta é uma das críticas presentes no filme “Quanto vale ou é por quilo”, de Sérgio Bianchi, que se inspirou no conto “Pai contra mãe” de Machado de Assis.

Com a diminuição do estado, a tendência é a expansão do mundo do crime que compra o apoio da população fornecendo-lhe aquilo que é negado pelo estado e pela classe dominante que não quer a mudança e a perda de privilégios. No documentário “Notícias de uma guerra particular”, João Moreira Salles e Kátia Lund mostra essa realidade através de depoimentos dos três grupos envolvidos: os traficantes, a polícia e a população que sofre no meio do tiroteio. Para Hélio Luz, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro na época do documentário, a polícia no Brasil foi feita para ser corrupta e violenta, e não muda porque a elite não deseja mesmo a mudança.**

No filme “Radio Favela – Uma Onda no Ar” podemos ver o quanto o sonho, a busca de afirmação e as oportunidades que são oferecidas ao jovem orientam as suas escolhas. Enquanto um grupo, apesar das dificuldades e da violência que sofre pela ação das autoridades, tenta colocar e manter uma rádio comunitária no ar, desenvolvendo um trabalho altamente educativo na comunidade, um outro grupo, para manter o consumo e ter acesso à roupas de grife, adere ao tráfico.

É muito interessante que, mesmo tendo sucumbido ao dinheiro fácil, um dos jovens vê os membros do outro grupo como heróis e, percebendo a dificuldade deles para montar a rádio, oferece ajuda a eles. No entanto, o dinheiro é recusado porque sabem da origem e do mal que esse lucro causa a milhares de seres humanos.

Mais recentemente, o filma “Gomorra”, baseado no livro de Roberto Saviano, mostra como a Camorra napolitana envolve, de forma globalizada, diferentes espaços e sociedades, ricos e pobres, e nas mais diferentes atividades econômicas: moda, saneamento básico, construção civil, pirataria... É quase impossível sair dessa teia mas quanto mais é envolvido mais trágicas são as conseqüências e a violência. É muito interessante a cena em que uma mulher oferece uma cesta de suculentos pêssegos e o membro da Camorra aceita, para mais tarde jogá-los fora porque sabe que estão envenenados porque naquela região eles haviam depositado lixo contaminado.

Como a atividade desses grupos envolvem muitas pessoas e setores da economia, é muito difícil que suas atividades passem despercebidas pelas autoridades constituídas. Para conseguir respaldo para suas atividades, subornam os políticos financiando suas campanhas. Em troca, recebem títulos que lhes dão um certo grau de respeitabilidade e de ostentação perante a sociedade. Criam uma máscara sob a qual escondem suas falcatruas.

A imprensa já chegou a denunciar que certos traficantes chegam a sofistificação de financiar a formação de advogados para que, futuramente os defendam nos tribunais.

Abandonados pelo estado, as associações de moradores e entidades filantrópicas se tornam potenciais presas desses grupos, no sentido de criarem uma imagem positiva e de benfeitores. Mas o exemplo do jovem da Rádio Favela é um modelo a nos orientar, porque o benefício que esse dinheiro pode fazer não apaga o mal que ele causa em sua origem.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br
 
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