Coluna da Dra. Luiza Eluf

Nova coluna

A partir de hoje uma nova coluna estará disponível aos leitores do blog às quintas-feiras. Será assinada pela doutora Luiza Nagib Eluf. Em poucas linhas faço a apresentação da nova colunista, que trabalha por um país mais justo e tem muito a oferecer aos leitores. Sidney Borges

Luiza Eluf é Procuradora de Justiça. Publicou artigos e livros (“A Paixão no Banco dos Réus”, “Matar ou Morrer” que conta o caso de Euclides da Cunha) e ajudou a tornar crime toda forma de discriminação no país. Foi a primeira autora brasileira a falar sobre crimes sexuais segundo a ótica da mulher. E na administração pública, integrou Conselhos Estaduais e Federais de Entorpecentes, Direitos Humanos, Condição Feminina e Combate ao Racismo, além da Comissão de Reforma do Código Penal. Com a sua contribuição, a violência contra a mulher e o assédio sexual passaram a ser considerados crimes em todo o Brasil. Luiza participou da histórica Conferência Mundial da Mulher da ONU de 1995, realizada em Pequim. E em 2000, recebeu o prêmio Mulher do Ano na área jurídica, concedido pelo Conselho Nacional da Mulher. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania (Ministério da Justiça) durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e, posteriormente, subprefeita da Lapa (2007 e 2008), bairro em que reside há mais de 15 anos. Hoje, Luiza Eluf continua lutando em prol da igualdade de direitos, qualidade de vida, preservação do meio ambiente, urbanismo sustentável e combate à corrupção.

O buraco das araras

Luiza Nagib Eluf
Há poucos dias, em 13 de junho último, nessa mesma coluna, O Estado publicou um excelente artigo subscrito por Alberto Quartim de Morais sobre a iminente falência da literatura brasileira. Quartim é jornalista e editor, um dos poucos que se preocupa em publicar bons livros produzidos no país, promovendo, assim, o trabalho literário de qualidade. Nem é preciso mencionar as dificuldades que ele encontra como editor, é fácil imaginar, mas piores agruras talvez sofram os(as) autores(as), obrigados a percorrer a burocracia de editoras que não lêem seus trabalhos e, no mais das vezes, respondem laconicamente por bilhete, elogiando e recusando os originais; outras vezes, devolvem-nos recomendando cursos que ensinam a escrever melhor... Ou seja, só autores já consagrados encontram guarida.

O artigo de Quartim fez-me lembrar de um local chamado “buraco das araras”, em Bonito, MS. Trata-se de uma larga cratera natural aberta no solo, formando não apenas um “buraco”, mas um precipício. No fundo, muito lá embaixo, há uma lagoa e uma pequena mata exuberante que a envolve. Nas fendas das paredes de pedra que circundam a cratera e se prolongam até as profundezas do abismo, as araras construíram seus ninhos. Essas aves de penas vermelhas, verdes e azuis, são possivelmente as mais magníficas do planeta. Suas cores fortes e fulgurantes, inimitáveis e inigualáveis, fascinam o observador. É um espetáculo assistir a dezenas de araras voando aos pares, passando de um lado para o outro do “buraco”, aos gritos que ecoam por entre as árvores e nos dão a nítida impressão de estar no paraíso terrestre.

O “buraco das araras” é made in Brazil. A sorte é que os apreciadores do meio ambiente e da riqueza natural de nossas terras, com ajuda da prefeitura local e da sociedade consciente, conseguiram garantir a preservação de Bonito, antes que fosse tarde demais. As araras, assim, puderam se manter naquele recanto de paz, sendo cultuadas, respeitadas, admiradas. Pensei no buraco das araras porque o local não podia servir para nenhum tipo de exploração econômica predatória como tantas que existem por aí e, por essa razão, durante muito tempo esteve abandonado, chegando a ser utilizado como lixão! Jogaram de tudo ali dentro, até automóvel velho. Finalmente, alguém teve a idéia de aproveitar a cratera, sua grande beleza e seu ambiente propício levando as aves para lá. Pelo menos em Bonito, brasileiros tiveram a inteligência necessária para auferir algum lucro explorando as relíquias naturais sem destruí-las.

Já em prol da literatura não parece haver nenhum movimento preservacionista, fato inexplicável em um país que já produziu Machado de Assis, Guimarães Rosa, José de Alencar, Érico Veríssimo, Jorge Amado e muitos outros escritores de altíssimo gabarito. O autor de ficção é um espécime em extinção. Ninguém se importa em criar um “refúgio” para a literatura? Não é difícil encontrar meios de incentivar novos escritores a produzir com qualidade, mas ainda não se vislumbra essa iniciativa entre nós.

Um país que não se expressa por meio de seus autores perde a identidade. Nem se alegue falta de valores, as araras estavam perdidas e talvez muitos achassem que não tinham serventia, até que lhes providenciaram esse ninho coletivo que muita gente paga para ver.

Com exceção de Paulo Coelho, que começou fazendo esforços privados e pessoais para difundir seu trabalho e terminou consagrado internacionalmente, não encontramos novos autores de grande projeção. E Paulo Coelho, na verdade, mais do que literatura, produziu uma espécie de religião.

Alega-se que literatura brasileira não vende, mas como é possível vender se o trabalho nem é publicado e, mesmo quando se publica, não é exibido em lojas nem divulgado nos meios de comunicação de massa? O resultado é que nossas livrarias estão repletas de best sellers importados, por vezes muito mal traduzidos, promovendo livros que já foram exaustivamente divulgados no exterior e que são venda garantida justamente por essa razão.

Além disso, as grandes redes de livrarias têm funcionários que sequer leram um livro na vida e não sabem orientar o consumidor. Já não existe nada parecido com os antigos livreiros, pessoas cultas que haviam lido a maioria dos exemplares que expunham à venda e podiam ajudar os clientes como ninguém.

Bom negócio no Brasil de hoje é produzir e vender livros jurídicos, por uma razão: o direito não é igual nos vários países. A importação não rende. Nessa área, ou o autor é brasileiro ou não vai poder informar aquilo que os profissionais do ramo precisam saber. Em razão dessa circunstância, surgiram vários autores de importante repercussão doutrinária, que ninguém conheceria não fora o incentivo que tiveram para produzir.

Diante das más perspectivas e da impossibilidade de o mercado se auto-regular para favorecer nossa literatura, é papel do Estado intervir para que não se perca a ficção produzida no Brasil e, com ela, parte importante de nossa cidadania. Se temos um Ministério de Cultura e Secretarias Estaduais e Municipais da mesma área, é de se perguntar o que andam fazendo em prol da literatura. Valores não nos faltam, mas os incentivos são mínimos. Assim como se promoveu a cinematografia brasileira obrigando os cinemas a incluir na sua programação certa porcentagem de produção nacional, da mesma forma se deve incentivar editoras e livrarias a darem determinado espaço à literatura brasileira. Sem isso, caminharemos de forma segura e inequívoca para o neo-colonialismo cultural.

Luiza Nagib Eluf é procuradora de justiça do Ministério Público de SPaulo. Tem vários livros publicados, dentre os quais A paixão no banco dos réus e Matar ou morrer – o caso Euclides da Cunha

Publicado no jornal O Estado de SPaulo, dia 07/07/2009

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