Coluna do Rui Grilo

A prática e a teoria

Rui Grilo
Um conhecido pesquisador inglês de teoria do currículo relata que houve uma época em que as escolas que atendiam a classe popular, por não terem recursos e laboratórios de ciências, recorriam a coisas do cotidiano para ilustrarem as aulas. Por exemplo: a observação dos ovos de aves (galinhas ou patas) e as diferentes partes do ovo – casca, gema, clara – e as transformações que ele sofre quando é cozido, frito ou posto para chocar. Outro exemplo: a germinação das sementes. Esse tipo de atividade foi englobado no currículo como “história das coisas”. Provavelmente, por partir de coisas que faziam parte do cotidiano, aproveitavam o saber já construído na vivência cotidiana como alicerce para novas aprendizagens. E os alunos dessas classes começaram a ter um bom aproveitamento escolar.

Naquela época havia a figura do supervisor que visitava as escolas e submetia os alunos a uma sabatina oral e começou a constatar que esses alunos estavam tendo um desempenho melhor que aqueles que freqüentavam escolas de elite e começaram a “ameaçar” a classe alta. Como explicar que aquelas crianças pobres fossem “mais inteligentes” que aquelas de origem aristocrática. E a maneira de “corrigir” essa situação foi a proibição da “história das coisas” e a introdução de aulas em laboratórios. Com essa mudança, o desempenho das crianças pobres caiu abaixo das crianças da elite.

Vários outros educadores tem apontado o caráter elitista da escola. É bom lembrar que a Revolução Francesa teve como palavras de ordem – LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE – representadas na bandeira pelas três cores – branco, azul e vermelha. E uma das condições para se ter a igualdade era garantir o direito à escola e o conhecimento para todos. Como a classe dominante teve que ceder ante as pressões das classes populares, garantiu-se o acesso mas não as mesmas condições. Para a classe dominante, uma escola que favoreceria o desenvolvimento de habilidades intelectuais e artísticas, ou um saber que serviria para diferenciar uma classe da outra, dando um caráter de requinte. Para a classe popular, o ensino profissionalizante, que requeria habilidades manuais.

No entanto, hoje, com a evolução tecnológica e o aparecimento de novas profissões, com o comércio internacional, o capital requer profissionais com maiores e diferentes conhecimentos não se limitando apenas às atividades manuais. E a classe pobre percebe que para subir na escala social é necessário um período mais longo de escolaridade.

Famílias com maior poder aquisitivo sabem que não é vantagem o jovem ingressar no mercado de trabalho prejudicando a escolarização e tudo fazem para garantir aos filhos as melhores escolas.

E os filhos da classe pobre, sem acesso aos níveis superiores de escolaridade se tornam mão de obra barata mesmo havendo um grande número de adultos desempregados.

É aí que se inserem os programas para reduzir as enormes desigualdades sociais: o bolsa-família e o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

Quando vi o Serra elogiando o sistema de apostilas distribuídos pelo estado a todos os alunos, como se o fato de garantir o mesmo material estaria se garantindo o mesmo nível de qualidade, como se estivesse vendendo a ilusão de que os alunos da escola pública estariam recebendo as mesmas condições dos alunos que freqüentam cursinhos pré-vestibulares.

Eu me lembrei da “história das coisas” e do resultado de se garantir aos alunos das classes populares o acesso às salas de laboratório sem estabelecer as pontes com a realidade deles. É como se o material fosse mais importante que os professores. Ao ser obrigado a usar um material que não escolheu, o professor se sente violentado. Não todos, muitos acham bom porque , para sobreviverem se transformaram em máquinas de repetir aulas, pois trabalhando em várias escolas ou em jornadas longas, não tem tempo para pensar e preparar suas aulas.

Para o aluno, seguir a apostila se torna uma rotina cansativa e desinteressante pois, com realidades tão diferentes, muitas vezes o material não tem “pontes” que o liguem à realidade dos alunos. Para isso é necessário um professor bem formado e com salário condizente com o grau de responsabilidade e de aperfeiçoamento constante que sua profissão exige.

Mudanças educacionais requerem planejamento de média e longa duração. Como querer resultados positivos, se a cada mudança de governo ou de secretário é como se os professores tivessem que esquecer toda a sua prática e experiência e seguir as ordens de algum iluminado.

E a distribuição de apostilas é um gasto desnecessário porque já existe o Plano Nacional do Livro Didático que garante a distribuição a todas as escolas. As mesmas falhas que esse plano tem apresentado – a distribuição atrasada e, às vezes, insuficiente – não foi sanado com a distribuição de apostilas. Quando estas começaram a ser distribuídas, não havia em número suficiente nem para os professores. Eu mesmo tive que xerocar para ter acesso ao conteúdo.

O dinheiro gasto em apostilas poderia muito bem servir para garantir melhores condições de trabalho e de funcionamento das escolas.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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Comentários

Carlos Antônio da Veiga disse…
Senhor Rui Grilo...fala como que só o Serra fosse Governo, o Lula é o que?...a Eduacação que ele vende nas grandes propagandas pagas com dinheiro pública é real?...faça uma política séria!!!

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