Opinião

A apologia da maturidade

Editorial do Estadão
Para usar uma expressão decerto de seu agrado, o presidente Lula deitou e rolou na entrevista concedida ao Estado na quinta-feira e publicada ontem. A leitura das suas respostas às 45 perguntas que lhe foram dirigidas mostra de forma inequívoca que, certamente por estar de alma leve, sem qualquer resquício de uma tensão que é normal numa sabatina como a que enfrentava, alcançou o objetivo que obviamente se propusera: dizer as coisas certas, no tom certo, para tranquilizar o público refratário ao PT sobre o que seria o primeiro governo da sigla sem ele no leme, caso consiga fazer da ministra Dilma Rousseff a sua sucessora. Nesse sentido, as suas declarações equivalem a uma segunda Carta ao Povo Brasileiro. A anterior, de junho 2002, renegou a plataforma radical adotada pelo PT seis meses antes, que pregava a "ruptura" com as diretrizes econômicas do governo Fernando Henrique e com os compromissos assumidos pelo Brasil.

Agora, o presidente tratou de acalmar as preocupações surgidas com a divulgação, por este jornal, da versão original do programa do partido para um governo Dilma, que endeusava o estatismo e calava sobre o destino das políticas macroeconômicas mantidas por Lula (ajuste fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante). Ele e a sua escolhida já haviam aparado os excessos e inserido o que fora omitido no texto preparado para o 4º congresso nacional petista que hoje aclamará o nome da candidata. Na entrevista, discorrendo pela primeira vez em público sobre o assunto, o carbonário de outrora revelou-se um bombeiro exemplar. "Num congresso do PT aparecem 20 teses", comentou. "É que nem uma feira de produtos ideológicos. As pessoas compram o que querem e vendem o que querem." E foi ao que lhe interessava: "O PT que chegou ao governo é o PT maduro."

Lula, no seu melhor, louvou Deus por não ter vencido a primeira eleição presidencial de que participou, em 1989. Se ganhasse, "com a cabeça do jeito que eu pensava", ou teria feito uma revolução ou cairia no dia seguinte. Treze anos depois, descobriu como remover o bloqueio que o impedia de chegar lá. O achado, recordou, foi a escolha de José Alencar para vice e a Carta ao Povo Brasileiro. "Essa mistura de um sindicalista com um grande empresário e um documento que fosse factível e compreensível pela esquerda e pela direita, pelos ricos e pelos pobres, é que garantiu a minha chegada à Presidência." E será esse espírito agregador, assegurou, que elegerá Dilma e lhe dará condições de governar. "O partido não vai jogar fora a experiência de ter um governo aprovado por 72% depois de sete anos no poder", insistiu. "Isso é riqueza que nem o mais nervoso trotskista seria capaz de perder."

Talvez tenha razão. Mas o guardião dessa riqueza é o próprio Lula. Dado que ele promete não voltar ao Planalto - é "ponto pacífico", afirmou, que Dilma, se eleita, terá o direito de disputar novo mandato em 2014 - fica a critério de cada qual julgar se ela desejará, ou poderá, ser a mantenedora do patrimônio de conciliação acumulado por Lula, diante de um partido cuja "sabedoria" quem sabe não seja tão grande como ele quer fazer crer - e sem a sua atuação moderadora. Candidata, Lula estará "espiritualmente" ao seu lado. Se eleita, ele ficará "torcendo na arquibancada".
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