Coluna da Segunda-feira

CONFECOM : Botando ordem na casa

Rui Grilo
Se o Brasil não tivesse se libertado de Portugal, provavelmente Tiradentes não seria mostrado nos livros de história como o nosso Mártir da Independência mas como um traidor. A história e o jornalismo não são neutros; sempre apresentam os fatos do ponto de vista de alguém.

Assim, quando abri o site do Guaruçá me assustei com algumas abordagens da CONFECOM – Conferência Nacional de Comunicação. Como participei da etapa regional e da etapa estadual me senti ofendido com a forma como o Sr. José Nivaldo Cordeiro tratou os participantes, chamando-os de celerados. Assustado, fui procurar o significado no dicionário para me certificar do significado. O significado não cabia a mim pois não me considero nem criminoso, nem bandido, nem facínora, nem malfeitor. E acredito que todos que estavam participando, como o ilustre jurista Walter Ceneviva, podem ser enquadrados nessa categoria. O texto assume, assim, um caráter panfletário e maledicente que desmerece o seu autor.

Cita em seu texto que os petistas e participantes tem como objetivo da CONFECOM “A definição de um marco regulatório democrático... tratando a comunicação como área de interesse público”. Para ele, tal objetivo se trata de “ uma tentativa de acabar com a democracia representativa como a conhecemos, mesmo sem alterações na Constituição.”

Há muito tempo o comportamento dos nossos representantes deixam muito a desejar. Assim, durante a elaboração da Constituição, o capítulo sobre comunicação, por falta de acordo entre os participantes ficou incompleto para posterior regulamentação, o que até hoje não foi realizado, ficando um vazio legal que dá margem a todo tipo de abuso. Mesmo o que já está normatizado não é respeitado e a comissão responsável não se reúne, favorecendo empresários do setor, entre os quais muitos políticos, ou grupos relacionados a eles.

Democracia não é um vale tudo. Mesmo em países reconhecidamente neoliberais, as leis são muito mais severas do que as propostas apresentadas. Discutir e propor novas formas de regulamentação é um direito de qualquer cidadão. As conferências são instâncias legais de participação, para debate e aprofundamento de propostas. Como diz a Constituição, no parágrafo único do Art. 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes legais ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

No entanto, todos aqueles que tem se beneficiado desse vácuo legislativo ou que não tem cumprido nem mesmo o que a lei manda, estão contra a CONFECOM porque podem perder seus privilégios. Para isso, uma das formas de boicotar foi a não divulgação de sua realização e não participação para depois classificá-la de ilegítima. O próprio autor que critica a CONFECOM aponta esse boicote e a omissão quando diz: “Lamento não ter ouvido uma palavra da grande imprensa contra essa violência às instituições. As empresas do setor são vítimas coniventes.”

Acredito que vítimas somos todos nós quando as empresas de comunicação noticiam apenas o que interessa a um pequeno grupo da sociedade, sonegando à maioria o direito à informação, preenchendo os espaços noticiosos com futilidades ou com apelos ao consumo.

Apesar de vários representantes do executivo se aliarem às grandes empresas de comunicação, não fazendo a convocação com o intuito de boicotá-la, entre os quais o Governador Serra e o Prefeito de São Paulo, o legislativo da cidade e do Estado de São Paulo fizeram a convocação garantindo a realização da CONFECOM, a qual somente terá validade com a representação proporcional dos três setores, ou seja, 40% de participantes representando a sociedade civil, 40% a sociedade empresarial e 20% o poder público.

E o próprio autor que critica a sua realização reconhece o grau de participação e de abrangência quando diz: “O encontro terá 1539 delegados, o triplo da nossa Câmara de Deputados. Segundo o último informativo do site Pró-Conferência, são esperadas ao menos cinco mil "propostas" a serem examinadas...”

Entre as entidades organizadoras, há reconhecidos pesquisadores, os quais analisaram* doze diferentes sistemas de comunicação, entre os quais o do Canadá, da Inglaterra, dos Estados Unidos e do Japão, países reconhecidamente neoliberais. Comparando com o sistema nacional reconhecem que na maioria desses países os principais meios de comunicação surgiram primeiro como serviços públicos e somente mais tarde como empresas particulares. A fragilidade e os problemas que o sistema nacional apresenta decorre muito do fato de que aqui sempre foi visto como um meio de lucro e não como um meio para o desenvolvimento sociocultural e econômico do país.

É muito interessante apontar o caso do Canadá, em que a criação do sistema público se deu em função do temor de que a expansão das empresas privadas representasse uma “americanização” (isto é, a predominância do modelo comercial americano). Outro temor era de que entidades religiosas ou outros grupos conservadores poderiam representar uma ameaça ao princípio da diversidade democrática.

No Brasil, cada vez mais há sinais dessas ameaças. É só observarmos a programação e o conflito entre a Globo e a Record. Portanto, está na hora de decidirmos que tipo de sistema de comunicação que atenda aos interesses da maioria e não de um pequeno grupo.
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

*Sistemas Públicos de comunicação no mundo. Experiências de doze países e o caso brasileiro. Intervozes. SP. Paulus. 2009

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu