Editorial

Mentiras têm pernas curtas

Uma vez instalado em palácio, o governo tem de abrir um canal de comunicação com o povo. E respeitar a inteligência dos eleitores, não mentir, não inverter ou tentar inverter o que é óbvio e não pegar caronas oportunistas em situações de calamidades. Na folha de ontem o jornalista Clóvis Rossi tratou da dicotomia direita-esquerda na Espanha, abriu o artigo dizendo que a economia espanhola cresce há 14 anos consecutivos. No primeiro trimestre cresceu 4,1%, o que é muitíssimo para uma economia madura. Clóvis Rossi continuou o raciocínio dizendo que esgotadas as grandes disputas ideológicas, o eleitor pensa com o bolso e como a economia espanhola navega em mar de almirante, a eleição de ontem deveria ser calma e tranqüila. Em tempo, ontem os espanhóis tiveram eleições municipais e das comunidades autônomas. Há dois partidos na disputa, o conservador PP, que governou a Espanha durante onze anos consecutivos e o esquerdista PSOE, que está no poder desde 2004. É bom lembrar que em 1994, qundo foi derrotado, o PP tinha a vitória assegurada até quatro dias antes da eleição, as pesquisas davam uma margem tranqüila aos conservadores. Era o que se podia esperar, onze anos de prosperidade econômica é um cacife muito alto para um partido no poder. No dia da eleição o PP foi derrotado amplamente e está até hoje procurando o rumo de casa, se eu fosse o presidente Lula diria que foi uma derrota equivalente a do Brasil em 1950. O que fez com que o jogo virasse? O que deu errado? O governo do PP subestimou os espanhóis, o que deixou o povo enfurecido. A derrota começou com os atentados aos trens de Madri, que vitimaram 191 pessoas. O PP sem base para acusar ninguém, imediatamente vinculou os crimes aos separatistas bascos do ETA, tentando associar o PSOE com os terroristas. Lá, como aqui, há dois discursos, um para aplacar estudantes e militantes radicais e outro para banquetes com banqueiros e nababos em geral. Na prática o ideário antiterrorismo do PP e do PSOE eram equivalentes, mas na comoção da tragédia, os comunicadores do PP tentaram empurrar goela abaixo dos espanhóis a mentira de que se os esquerdistas vencessem os autores da barbárie ficariam impunes. O tiro saiu pela culatra, o ETA não tinha nada a ver com os atentados e sim o PP, que se alinhou com o governo Bush na aventura petrolífera do Iraque. Até hoje o PP insiste em buscar alguma conexão entre os bascos e o atentado, embora os terroristas muçulmanos acusados estejam presos e seu julgamento coincida com as eleições municipais. Não vai ser fácil aos conservadores voltar ao poder. A economia está bem, os espanhóis que não estavam satisfeitos com a aventura iraquiana aplaudiram o PSOE pela retirada das tropas e nada há no front que possa ameaçar o panorama favorável. Manipular notícias tem um preço alto. Algumas vezes alto demais. Quem está no poder quase sempre acaba seduzido pela perspectiva de continuidade e perde a noção dos riscos que há na mentira.


Sidney Borges

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu