Opinião

O tesouro da memória da CIA

Elio Gaspari
Em setembro do ano passado a Central Intelligence Agency colocou na rede um tesouro com cerca de 2.500 documentos com as sinopses diárias que eram entregues de manhã ao presidente dos Estados Unidos entre 1961 e 1969. Coisa que só a democracia americana é capaz de fazer, pois a brasileira até hoje escamoteia análises que eram mandadas semanalmente pelo Serviço Nacional de Informações aos generais-presidentes.

As sinopses da CIA enviadas ao presidente John Kennedy entre 1961 e 1963 têm um máximo de cinco páginas, com vinte tópicos. Com a posse de Lyndon Johnson, que não gostava de lê-las, elas encolheram e às vezes cabiam numa só folha. No material liberado ainda há trechos embargados, escondendo uns 10% do conjunto.

Lendo esses papéis vai-se à alma do governo americano durante a Guerra Fria, sobretudo com o Vietnã. As sinopses não refletem tudo o que a CIA informava, mas apenas o que dizia ao presidente naquela hora. Em relação ao Brasil, tomando-se como amostra apenas essas sinopses, a CIA forçava a barra e, num caso, mentiu.

Em 1961, diante da inesperada renúncia do presidente Jânio Quadros, ela deu de barato que o vice-presidente João Goulart, "fortemente esquerdista", deveria ser o sucessor de Jânio. Três dias depois da renúncia, com o país correndo o risco de ter uma guerra civil, ela informou a Kennedy que os dispositivos da Constituição eram "complicados". Não podiam ser mais claros: assumiria o vice. Na primeira hora a CIA parecia torcer para que o veto dos ministros militares a Jango prevalecesse.

Os tópicos são secos, com pouquíssimos momentos de humor. Um deles, do dia 2 de março de 1967, conta em quinze linhas o encontro do general Vernon Walters, adido militar no Brasil, com o presidente Castello Branco, que deixaria o governo duas semanas depois. Castello elogiou o marechal Arthur da Costa e Silva, seu sucessor, e Walters contou-lhes algumas piadas que rondavam a figura de "seu" Arthur. O cabeça-chata Castello riu de uma delas, segundo a qual depois de ter sido presidido por três anos por um presidente sem pescoço, o Brasil seria governado por outro sem cabeça. A CIA sempre temeu que Costa e Silva levasse a vaca para o brejo. (Outra piada dizia que o marechal mobilizara o Exército para descobrir quem roubara sua biblioteca, pois não acabara de colorir o segundo volume.)

Às vezes a CIA errava no curto prazo, mas era profética. Em fevereiro de 1966, numa rara análise alentada, listou três dirigentes chineses com possibilidades de vir a governar a China depois de Mao Zedong. O primeiro era o presidente Liu Shao Shi. Depois vinha o primeiro-ministro Zhou en Lai. Estourou a Revolução Cultural, Liu foi para a cadeia e morreu em circunstâncias lastimáveis, Zhou foi escanteado e o terceiro viu-se transformado em operário numa pequena cidade. Seu filho, jogado de uma janela, ficou paralítico.

Chamava-se Deng Xiao Ping, deu a volta por cima e depois da morte de Mao, em 1976, construiu a nova China.

Serviço: "The Collection of Presidential Briefing Products from 1961 to 1969" está na rede.

Original aqui

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