Opinião

IPTU, gentrificação e tiro no pé

Leão Serva
O aumento do IPTU a partir de janeiro pode reverter a tendência de reocupação do centro, pois vai tornar mais caro mudar para a região. E certamente abalará a recuperação da popularidade do prefeito Fernando Haddad (PT) no ano anterior à campanha reeleitoral, quando ele ainda tem poucas realizações a mostrar.

Como recomenda o maquiavelismo político (medidas impopulares no início do governo), Haddad tentou aumentar o imposto. A oposição, que conseguiu adiar a medida na Justiça, agora comemora que o prefeito vá implantá-la em 2015, quando poderá ter que aumentar também a tarifa de ônibus: suas chances eleitorais ficarão prejudicadas, identificado com a carapuça de criador de taxas, que tanto mal causou a Marta Suplicy.

Nos últimos dez anos, a população vem aumentando na área central de São Paulo, depois de pelo menos três décadas de êxodo. Essa tendência, detectada no Censo de 2010, é resultado de políticas públicas que tiveram continuidade ao longo de várias administrações, com as quais a gestão Haddad concorda.

O aumento da carga tributária é particularmente penoso para a classe média, fundamental para o sucesso da revitalização. Alguns urbanistas ouvidos pela imprensa dizem que o imposto predial maior não chegaria a incomodar os habitantes das áreas centrais, mais ricos, que não deixariam suas casas por uma alta tributária.

As faculdades de arquitetura não ensinam tributarismo; nossos urbanistas geralmente não dominam essa ferramenta importante de gestão de cidades, os impostos.

A ideia de que os contribuintes podem aguentar aumentos pequenos na carga tributária ocorre ao mesmo tempo a todos os níveis de governo quando vem a crise. Assim, não basta olhar o IPTU.

Agora mesmo, enquanto Haddad aumenta o imposto, a nova equipe econômica federal prepara medidas de "ajuste fiscal" e governadores eleitos pedem a volta da CPMF, o "imposto do cheque". Todos acham que o bolso do contribuinte é elástico.

No caso do centro de São Paulo, o crucial não é o risco de fuga dos atuais habitantes. A principal questão é atrair novos moradores e comércio típico de bairros residenciais (mercados, restaurantes, serviços etc.) para atendê-los.

Habitações e pontos comerciais mais caros a partir de janeiro tornam o centro menos atraente à classe média; os ricos podem resistir (a maioria já saiu de lá há algumas décadas) e a habitação popular não paga IPTU.

Durante a polêmica sobre o aumento, em novembro de 2013, o secretário de Desenvolvimento Urbano da prefeitura, Fernando de Mello Franco, fez uma palestra no Instituto FHC. No evento, eu o questionei sobre a possibilidade de o imposto maior afastar moradores: "De fato, você tem razão, esse é um efeito colateral que contradiz o que esta administração defende e todas as anteriores defenderam, que é a preocupação do centro com uma população plural, com todas as classes sociais", respondeu.

Um infográfico publicado pela Folha é claríssimo: os 15 bairros que terão alta maior que 10% são centrais; e os quatro maiores índices estão no "centrão".
O risco é ocorrer gentrificação em áreas ricas e concentração de população de baixa renda nas demais. É como uma população com pé e cabeça, mas sem corpo. 

Original aqui

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