Ubatuba em foco

O lixo no Litoral Norte

Arquiteto Renato Nunes
Não sei se por formação ou por deformação profissional adquiri alguns hábitos para analisar os acontecimentos da cidade. Meu curso de arquitetura e urbanismo ensinou-me, e nisso fiquei viciado, a formular o maior número possível de interpretações sobre a origem e características de determinado problema antes de tentar sua solução. Organizar os espaços a serem construídos, ou os espaços urbanos abertos onde a população vivencia e interage sua existência coletiva, é uma tarefa séria, de requisitos acadêmicos. Não é coisa para amadores e muito menos para qualquer formação profissional por mais bem intencionado que seja o sujeito. Ninguém pratica uma cirurgia no amigo se não for médico. E se o praticar será uma cirurgia sem retorno. Poderá, apesar da boa intenção em ajudar o amigo, pegar trinta anos de cadeia por assassinato. Portanto, é o medo da pena que impede o exercício da boa vontade nas mazelas físicas do amigo. É assim em todas as profissões regulamentadas. A regulamentação foi criada não para a defesa corporativa de um mercado de trabalho, mas para defesa da sociedade.

Menos em arquitetura e urbanismo. Apesar de também ser uma profissão regulamentada, todo mundo dá palpite. Vendem-se assinaturas que legalizam a aprovação dos verdadeiros monstros construídos nesta infeliz paisagem urbana por R$1,99 o metro quadrado.

Em matéria de amadorismo e despreparo para o planejamento urbano veja-se o caso do aterro sanitário de Ubatuba, fechado em certa ocasião por determinação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e em seguida reaberto por determinação judicial requerida pelo município. Uma zorra conduzida por políticos e amadores há mais de vinte e cinco anos.
 

Em 1997 o governo Zizinho tomou posse já com o embargo do aterro decretado pela Promotoria do Meio Ambiente e, para evita-lo várias providencias foram determinadas. Tomaram-se algumas medidas que permitiram seu funcionamento por algum tempo, o caso se arrastou com vida curta e agora o alerta vermelho se repete. Haverá solução?

Naquele ano de 97 foi tentada uma saída política que consistia em criar dois grandes aterros sanitários que serviriam aos quatro municípios do Litoral Norte devido a grande dificuldade de se encontrar na região áreas adequadas para esse tipo de ocupação. Isto porque toda a faixa plana do nosso litoral é o escoadouro natural das águas que descem pela Serra do Mar, criando uma planície riquíssima em cursos d’água que vão parar no oceano carreando detritos e o chorume do lixo para as zonas urbanas e de interesse turístico. Localizar ali áreas que sirvam como depósito de lixo sem riscos para a saúde e com capacidade de funcionamento pelas próximas décadas não é fácil.

A essa dificuldade juntou-se na época a natural resistência dos prefeitos das cidades que seriam contempladas com o lixo das cidades vizinhas. Para não comprometer a carreira política de ninguém puseram uma pedra no assunto, voltando cada cidade a ter que resolver sozinha seu problema. Após isso, técnicos do Estado selecionaram algumas áreas em Ubatuba que poderiam servir como novos aterros sanitários para nosso município, descentralizando a coleta e consequentemente reduzindo os imensos custos com transporte.
Teoricamente perfeito, faltava apenas o dinheiro para as desapropriações. Passou-se o tempo, as áreas escolhidas foram cercadas pela expansão populacional e perderam sua condição ideal apresentada no início. Em um seminário posterior convocado para a discussão de problemas ambientais, hídricos e de saneamento realizado na Escola  Tancredo Neves, um arrogante técnico do Estado deu um vigorosos puxão de orelhas no município dizendo que a incapacidade local em realizar as desapropriações comprometeu as áreas tão bem escolhidas por eles e que agora novos estudos teriam que ser feitos. E é exatamente nesse ponto que deve ter início o raciocínio de planejamento.

Há pouco mais de quarenta anos queimava-se o lixo no fundo dos quintais, depois o poder público passou a recolhê-lo lançando-o em valas naturais, grotões e lugares afastados devido ao mau cheiro. Adultos perceberam que no meio daquele lixão que apodrecia ao sol havia alguma riqueza e puseram crianças e velhos desempregados para disputar com os urubus o conteúdo dos caminhões que chegavam diariamente. Hoje Ubatuba tem quase cem mil habitantes, um potencial de turismo internacional altíssimo, a região vai abrigar a unidade processadora de gás da Petrobrás e será implantado o corredor de exportação com as ampliações do Porto de São Sebastião. O cenário futuro da questão do lixo urbano a curtíssimo prazo é caótico, está na hora de pensar de outra forma, de mudar o patamar da solução e identificar melhor seus agentes e responsáveis.

Inicialmente investigue-se quem produz o lixo e como o município pode arcar com os custos dessa operação. Penso que a resposta que dei ao arrogante técnico do Estado acima citado, serve para apontar um caminho. Disse-lhe que Ubatuba tem cerca de 80 mil habitantes, dos quais cerca da metade pagam IPTU e demais impostos municipais, nossa evasão fiscal é imensa. Considerando o ciclo de verão, freqüentam Ubatuba mais de um milhão de pessoas, provenientes de todo país em particular de todo Estado de São Paulo e todas produzindo toneladas de lixo diárias. Olhando dessa forma identifica-se uma situação extremamente injusta para Ubatuba, ou seja, 40 mil habitantes pagam impostos para que a Prefeitura do município recolha e trate do lixo produzido por um milhão de pessoas vindas de todo país. É uma equação socialmente criminosa tanto para os nossos moradores como para os freqüentadores da cidade, e nunca será resolvida com os recursos locais. É injusto e inexeqüível. Não há porque técnicos estaduais responsabilizarem o município num assunto de interesse e responsabilidade estadual e nacional.

Considerando a importância turística e econômica do Litoral Norte para a economia do Estado e do país, conclui-se que, tanto quanto o interesse nacional na preservação da Mata Atlântica, mangues e costeiras, o saneamento da região tem que ser programado e bancado em escala estadual e federal. O município tem que se cuidar para receber turistas de toda parte, mas a carga financeira tem que ser suportada por quem também se beneficia com a qualidade desse cuidado.

Esse procedimento é exatamente igual ao dos “royalties” pagos pela Petrobrás aos municípios à frente dos quais extrai e enriquece a economia petrolífera do Brasil. A solução técnica da coleta e tratamento do lixo no Litoral Norte tem que ser elevada ao patamar político de uma questão de interesse estadual e nacional.

Quando isso ocorrer surgirá como possível, obrigatória e financiada pelo poder público a implantação de programas como a verdadeira coleta seletiva do lixo, a criação de cooperativas de usinas de reciclagem, a implantação de biodigestores e outras formas de geração de energia conforme as já existentes em vários paises diante de igual problema.


Esse programa poderá aproveitar ainda o conhecimento acumulado nas universidades que fazem estudos sérios e pesquisas de novas formas de tratamento e utilização do lixo orgânico.Só depois disso tudo equacionado é que se poderá mexer no terreno e buscar as definições físicas e de localização dos equipamentos necessários.

Antes disso é um chute e improvisação de palpiteiros que custará muito caro para as próximas gerações.

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