Opinião

Crítica sem autocrítica

O Estado de S.Paulo
O Brasil tem feito sua parte para a superação da crise global, disse em Paris a presidente Dilma Rousseff, em mais uma aula a respeito de como os governos do mundo rico deveriam cuidar de seus problemas. Os emergentes, segundo ela, mostraram maior capacidade de recuperação e de manutenção da estabilidade macroeconômica depois do choque de 2008. "Não vacilamos em lançar mão de estímulos fiscais para reduzir os impactos da crise", lembrou a presidente, apontando uma diferença importante entre a política seguida no Brasil e em outros países em desenvolvimento e aquela praticada, com efeitos fortemente recessivos, na maior parte do mundo rico. Ela parece, no entanto, haver esquecido alguns detalhes importantes: os estímulos animaram a economia brasileira no segundo semestre de 2009 e ao longo de 2010, mas foram insuficientes para impedir resultados muito ruins nos dois anos seguintes. Em 2011 e 2012, a produção estagnou, a exportação empacou e a inflação se manteve bem acima da meta de 4,5%.

A presidente havia recitado essa ladainha em recente visita à Espanha, retomando o tema de pronunciamentos em outros eventos internacionais. A cantilena foi retomada fielmente pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, diante de seu hotel parisiense, nessa segunda-feira, um dia antes de mais um pronunciamento de sua chefe. Também ele parece ter esquecido a parte menos gloriosa da história, a dos últimos dois anos.

A presidente Dilma Rousseff tem razão ao criticar as políticas baseadas essencialmente no aperto fiscal, mas seu recitativo nada acrescenta ao debate. Bons argumentos a favor de maior equilíbrio entre ajuste e crescimento foram apresentados várias vezes por economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo governo francês, seu anfitrião.

Se o seu discurso serviu para alguma coisa, foi para dar ao presidente da França, François Hollande, mais uma deixa para condenar a austeridade excessiva defendida pelo governo alemão e para reclamar do superávit comercial da Alemanha, mantido, em boa parte, à custa dos demais europeus. O próprio Hollande, no entanto, preserva o esforço de arrumação das contas públicas, indispensável a qualquer projeto sério de retorno à prosperidade.

A contribuição do Brasil nos próximos meses, disse a presidente, será a aceleração do crescimento. Não entrou em muitos detalhes sobre seus planos, mas citou de passagem compromissos com a austeridade fiscal, com a redução de custos e com a busca de competitividade. Não renunciou, no entanto, a um exercício frequente em seus pronunciamentos diante de plateias internacionais - cobrar dos estrangeiros maior cooperação no esforço pela estabilidade global. Segundo ela, deveria haver um conselho de estabilidade econômica e social semelhante ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aparentemente, esse organismo deveria dispor de poderes para atuar em diversos setores da economia internacional. A presidente mencionou a importância de uma ação permanente "para deter a marcha insensata de formas de protecionismo".

Em outros pronunciamentos, ela incluiu entre essas formas a política monetária expansionista dos ricos, por seus efeitos sobre o câmbio. Ela e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, têm atribuído um propósito comercial a ações dos bancos centrais dos Estados Unidos e dos países da zona do euro. Os efeitos cambiais dessas medidas são indiretos e às vezes irrelevantes, como comprova a depreciação do real nos últimos 12 meses. Mas a retórica dispensa detalhes factuais.

Bem pesados todos os fatos, a maior contribuição do Brasil aos demais países, nos últimos anos, foi o aumento da importação de bens manufaturados, graças ao descompasso entre a demanda interna e a capacidade de resposta da indústria local, prejudicada por um enorme conjunto de ineficiências made in Brazil. O governo apenas começou a reconhecer esses problemas e a ensaiar medidas para enfrentá-los. Dependerá apenas de si para realizar essa tarefa. Para esses males, pelo menos, as potências estrangeiras não contribuíram.

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