Tempo relativo

Noé

Sidney Borges
Ontem eu e meu cão estávamos na varanda, eu descansando de horas de labuta, ele cansado de perseguir moscas e gatos. Enquanto a grama crescia meu cão guardava os arredores com o focinho colado ao chão e o olhar perdido nos confins da dúvida. Quando vejo essa expressão aguardo o momento em que ele dirá: o conhecimento verdadeiro só é possível pela conjunção entre matéria, proveniente dos sentidos, e forma, que são as categorias do entendimento.

Talvez um dia.

Há muita vida na Mata Atlântica. Milhares de espécies classificadas e muitas ainda a classificar, como os besouros luminosos que de vez em quando cruzam os céus quebrando a escuridão das noites sem luar. Tem gente que pensa que são aviões. Tem gente que não enxerga a magia.

Noto um piolho de cobra à esquerda. Dá para traçar uma linha imaginária fazendo trinta graus com a trajetória por ele descrita. Linha que está sendo cruzada perpendicularmente por uma lagarta de três cores. Observamos, meu cão e eu, que depois de um certo intervalo de tempo piolho de cobra e lagarta estão no mesmo ponto, donde é possível concluir que a velocidade dele é o dobro da velocidade dela, pois o seno de trinta graus é igual a meio.

Após o cruzamento continuam caminhando, piolhos de cobra nunca param, são como os tubarões, com a diferença que não mordem. O que será que eles comem?

Quando penso na diversidade me vem à cabeça a figura de um homem injustiçado pela mídia, que só fala do Lula. Noé quase não é lembrado. Os animais estão aqui por causa dele. Frangos, aedes aegypti, pinguins e nós, humanos, que embora não pareça, também somos animais.

Imagino o dia em que Deus deu a Noé a incumbência de juntar as espécies, colocar em uma arca a ser construída e flutuar até que as águas baixassem. Quanto tempo durou a captura? Tem bichos fáceis, moscas, baratas, abelhas, formigas. Mas tem alguns difíceis, imagine capturar um elefante, ou um hipopótamo, ou um condor que vive nos Andes. Será que já existiam os Andes?

Depois da dificuldade inicial descrita acima, havia o problema logístico que os militares chamam de rancho. Além de levar para a arca o casal de tigres era preciso levar comida para eles e comida para a comida deles, naquele tempo ainda não tinham inventado a geladeira.

Outro grande problema enfrentado por Noé foi capturar bactérias, germes e demais coisas pestilentas sem ficar doente, além do fato de que esses seres são difíceis de encontrar, pequenos e furtivos.

Cientistas afirmam que ninguém sabe ao certo quantos animais diferentes existem na Terra.

Em relação aos insetos, por exemplo, há uma grande discordância quanto ao número de espécies, que poderia chegar a 100 milhões, mas que para os biólogos, apenas 15 milhões de espécies seriam de fato conhecidas.

A missão de Noé não admitia dúvidas, 100 milhões, 15 milhões, ou 25 milhões são números de cientistas, Noé trabalhou com o número divino.

Deus disse: pegue todas as espécies. Quem ousaria contrariar ou mesmo enganar o Criador? Eu hein?

Vai daí que Noé trabalhou duro. Supondo que tenha demorado uma hora por espécie e descontando os arranjos logísticos de transporte e armazenamento, a tarefa durou aproximadamente 100 milhões de horas, arredondando para 100 milhões o número de espécies.

Em um ano há 8760 horas, portanto, se dividirmos 100 milhões por 8760 teremos o número de anos de labuta do velho e talentoso Noé, o maior caçador de todos os tempos.

Assim chegamos ao número fantástico: 11415, 5 anos.

Depois disso Noé descansou.  Com total merecimento. Amém!

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