Ramalhete de "causos"


“Zé da onça”: estratégia do Lacerda

José Ronaldo dos Santos
Muita gente conheceu Otacílio Lacerda, o velho guerrilheiro que encerrou a vida neste lugar chamado de Ubatuba.

Dos vários eventos (passeatas, reuniões políticas, trilhas etc.) que pude participar com este senhor, da perseverança nas utopias de justiça, preservação da natureza, solidariedade e vida comunitária, creio poder chamá-lo de “aquele guerrilheiro que nunca perdeu a ternura, mas que sabia ser duro”.

Certa vez, quando ele era chefe do setor de obras do governo Pedro Paulo, acompanhei-o para produção de um texto para a J.O.C. (Juventude Operária Católica). Durante uma semana morei na Fazenda da Caixa, onde a prefeitura estava construindo a estrada de acesso àquela comunidade do “cacique” Leopoldo Braga. Antes disso a população sempre usara o chamado “Picadão da Barra”, que começava no jundu da praia da Fazenda.

Naquele brejo, onde a terra não desgrudava da pá, foi preciso aproveitar patieiros, jarobazeiros, indaiazeiros e as outras palmeiras de grande porte como lastro da nova estrada. Ele (Lacerda) trabalhava o tempo todo; aqueles que eram “moles” reclamavam das suas cobranças. Diziam: “O velho não se cansa nunca”. Porém, a maioria daquelas pessoas era composta de caiçaras curtidos pela dureza da roça e da faina no mar. Achavam normal o empenho do Lacerda e deixaram pronta a referida estrada em três meses a custo de muitas machadadas, enxadadas e viagens de terra. Hoje, até ônibus trafega por ela em atendimento aos moradores do lugar.

Mas o motivo de escrever este texto foi outro! Trata-se da sensibilidade preservacionista do Otacílio Lacerda. Encontrando-me com a amiga Mariza nesta semana, nos recordamos do “Zé da onça” que fazia parte de uma estratégia do nosso personagem. Funcionava assim:

Após combinar uma atividade na mata com alguém ou algum grupo, Lacerda contactava alguém previamente combinado para ser o “Zé da onça”, ou seja, com a finalidade de ser mais um na atividade e contar a sua história (de um ex-caçador de onça convertido a defensor dos animais e dos recursos naturais após ser atribulado por pesadelos onde onças o perseguiam). Na última vez, na trilha do Corcovado pelo Sertão do Meireles, o meu amigo Jucimar, vulgo “Tio Chico”, do Morro da Pedreira, desempenhou tão bem o papel de “Zé da onça” que até provocou lágrimas num grupo de japoneses. Por isso que até hoje, depois de vinte anos do ocorrido, eu ainda o chamo por este apelido. Dos que representaram esse papel a convite do Lacerda, afirmo: o meu amigo foi o melhor. O saudoso guerrilheiro até brincava com ele, dizendo rindo: “Você é quem melhor encarna o ‘Zé da onça’; é o melhor papel: o higiênico”.

Ah! Ia me esquecendo de uma informação importante: o velho guerrilheiro foi quem promoveu a vinda do grupo indígena, liderado pelo cacique Altino, para formar a tribo do Sertão do Prumirim em meados da década de 1970!

Sugestão de leitura: Nova antologia poética, de Mário Quintana.

Boa leitura!

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