Coluna do Rui Grilo

Educação não é uma ilha

Rui Grilo

“O remédio mais popular, nos anos 70, era a Ritalina. As crianças paravam de pular de subir nos móveis, de desobedecer e se tornavam uns anjinhos. Em alguns casos, pareciam uns zumbis.
Hoje em dia a Ritalina deu filhote. Existem vários outros remédios, com diferentes composições, mas com a mesma base química. Apenas a dosagem foi refinada, para evitar o efeito zumbi fazendo com que a criança se sente, comportada, na sala de aula, sem ficar ausente.”*

Participei durante muito tempo do Movimento Freinet** cujo objetivo é a formação de professores, a pesquisa e o intercâmbio entre os grupos e pessoas que se interessam pelas propostas desse educador. A preocupação de Freinet era criar uma escola para os filhos de trabalhadores na qual a educação seria feita pelo trabalho, pela atividade. A criança ou o grupo poderia escolher o objeto de estudo, por exemplo – a formiga – observá-la e registrar tudo, criando um texto que seria reproduzido para comunicar, para socializar esse conhecimento a outros. O educando era também um pesquisador que, ao comunicar seu conhecimento a outros também poderia receber colaborações, complementações e críticas. O mais interessante é que, no Brasil, a metodologia Freinet se tornou uma grife, principalmente de escolas particulares, quase sinônimo de escola de elite.

Mas tanto na França como no Brasil, os educadores que seguiram essa metodologia sofreram perseguições e muitas restrições porque, via de regra, não aceitam pacotes prontos e se assumem como sujeitos de sua formação, que tem como ponto de partida uma necessidade interna mas que se realiza no coletivo, no processo de busca e de socialização dos conhecimentos construídos.

Nesta semana, recebi de um membro do movimento, a seguinte indicação:

Pra quem tem interesse em educação segue abaixo um texto que dá o que pensar, mas se quiserem saber mais, a matéria toda é muito interessante e está no seguinte link:

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/organizando-as-ideias-ken-robinson-as-massas-brasileiras-e-o-neurocientista.html

Não dei muita atenção e nem acessei o texto. No entanto, logo em seguida comecei a ler vários comentários sobre o texto. Selecionei alguns que reproduzo abaixo.“Toda reflexão sobre educação, seja texto, palestra, aula, o que for, que não leva em consideração a maior formadora de valores da atualidade, que é a mídia, fica sem sentido. Educação não é uma ilha. Nunca corrigiremos as coisas dentro da escola. Há o social que, nesse momento, está interessado na dominação. Não é possível aceitarmos uma tevê fomentando nas crianças a violência, a sexualidade, drogas, consumismo, misticismo, modas, alienação sem limites. Uma covardia. E ainda a protegemos e isentamos.” (professor de SP)

“na Itália temos uma lei que regulamenta a indicação do fármaco (remédio) mas a coisa importante é o diagnóstico; aqui temos 1% que verdadeiramente tem esse problema (déficit de atenção). São os mesmos pais que, para resolver o problema, desejam uma terapia forte (na minha escola tem um caso significativo: a mãe viaja para a Suiça para comprar os fármacos pois lá custam menos); o aspecto importante para a psicologia é que essas crianças percebem que são diferentes e tem uma péssima imagem de si mesmos. A formação dos professores é fundamental (tive que estudar a coisa eu mesma)” (Professora de Treviso, Itália).

“Esta discussão rende. Estamos todos estupefatos frente ao que está ocorrendo com nossas crianças, transformadas em "monstros". Será que seu problema é falta de limites, ou de espaço para viver sua infância? Qual o modelo de mundo adulto que lhes é oferecido? Será que somente elas estão "sem limites"? Creio que sem limites estamos todos!!! O trabalho nos absorve todo o tempo; mal sabemos quais são nossos valores, para espelhar em nossas ações; e a TV faz a catequese de todos os espectadores, determinando o modo como vemos a realidade - o que inclui uma visão da transgressão vista como regra de vida; nossa própria identidade se confunde com a lógica do "consumo, logo existo".

E as crianças, que estão observando tudo isso e buscando suas referências, de vítimas passam a serem vistas como algozes. Porque estão a reivindicar seu espaço na sociedade. Quem se dispõe a ouví-las, de fato? O que querem dizer com sua hiperatividade? Serão de fato hiperativas ou apenas ativas em um mundo "hipoativo", de muita agitação e pouca ação?

Lembro a passagem em que Freinet compara a vida ao curso de um rio, que nasce pequeno, mas que vai ganhando força e que avança intrepidamente pela montanha, em cachoeiras e corredeiras, até, no fim de seu curso, alcançar a planície e morrer calmamente no mar. "Somos os rios domados na planície" - diz ele - "elas as torrentes ainda impetuosas, que correm noutros ritmos e com outros impulsos.” (em “O tempo das cabriolas” – Pedagogia do bom senso, 2ª ed., 1978, pag. 38)

E, em outra passagem, alerta sobre o perigo de represar a água, tornando-a parada, o que determina seu adoecimento e morte.

Em uma palestra sobre “A patologia da infância”, ocorrida no ano passado na Fundação Helena Antipoff a pesquisadora dizia que de todos os casos de hiperatividade atendidos em seu consultório, de crianças submetidas à Ritalina, ela constatava que apenas 3% eram de fato hiperativas. Os demais casos eram somente problemas de disciplina.

“Quanto ao TDAH, esta praga, tenho dois netos que foram "diagnosticados" como atingidos pelo mal e infelizmente tomam Ritalina apesar de todos os meus esforços para convencer os pais do contrário. É verdade que ficaram mais "calminhos"e que tanto a escola como os pais têm adorado.

Pensando bem, acho que tenho tido a doença também na infância. Meus boletins só mencionavam que "vivia no mundo da lua" e agora a coisa só fez piorar com a internet, este horrivel instrumento dispersivo do qual não consigo me passar.

Será o mal genético!!! Eis um terreno promissor para a pesquisa farmaceútica.”

“Sendo da educação física, acredito ser polêmico este assunto. Nós, que não somos apenas da educação e sim da saúde, sabemos que os diagnósticos feitos se remetem a problemas bastante drásticos. Como por exemplo, até quando a criança tomar a medicação. Esta calmaria, sempre foi necessária a escola, e acredito que nem elas aguentam. E, problemas ocorrem, na família mais habitualmente. (...) avaliar pela genética nem sempre é favorável, pois nem são seus filhos, é um fator não modificável, pode ser isto? sim... mas há os fatores não-modificáveis, que se diferem.

Me coloco no seu lugar e vejo a tamanha dificuldade que eu própria teria, ao menos de aceitar. O que vejo, como uma grande importância é fazer com que seus netos sejam vistos como sempre foram, com o carinho de sempre, e amados por você e a família, pois mesmo assim, uma mal aceitação por isto, seria piorar o problema.”

“Trabalho com crianças da Educação Infantil acho que elas são normais, tem comportamentos normais dentro do esperado para a idade, mas os pais, parece, que querem filhos que se interessem por todos os assuntos, que se dediquem a estudar, que sejam os melhores jogadores de bola se forem meninos e se forem meninas as mais meigas e talentosas. Já lemos que o cuidado com as crianças, a infância protegida como conhecemos é coisa recente, mas parece que chegamos a um ponto em que temos pais que não sabem o limite dos cuidados e, de outro lado, pais que deixam seus filhos ao léo.

Quando nós eramos crianças, tínhamos algo de TDH, mas os pais não ficavam desesperados para resolver essas questões, era normal o filho estudar ou não, passar de ano ou não, ficar de segunda época, estudar nas férias e aprender o que não tinha aprendido no ano inteiro com a professora particular!!!! E agora eles ficam apavorados e passam o problema para frente para o psicólogo, para a psico-pedagoga....e acham que alguém vai resolver esse problema. Gente, eu acredito que as crianças de hoje são tão inteligentes quanto as de antes, mas agora elas são mais informadas e tem menos limite, para não dizer que tem menos educação!!!! Acredito também que não podemos esconder delas as mudanças do mundo, elas estão aí, precisamos sim ajudá-las a entender como é o mundo, o que pode e o que não pode ser feito.... Eles, os pais , precisam um pouco de Freinet, calma e paciência para conversar e entender os filhos deles...sem aflição...

As diferentes interações e pontos de vista me chamaram a atenção e aí fui ler todos os textos, especialmente o primeiro, de Heloisa Villela, do qual extraí um trecho que cito no início deste texto e que trata tanto da busca de caminhos e de mudanças de paradigmas da educação, quanto da excessiva e perigosa medicação. As interações entre os professores mostram não apenas o grande envolvimento de cada um mas a grande variedade de problemas que o professor enfrenta e para os quais não recebeu a devida preparação.

A internet surge assim como uma grande ferramenta para sair do isolamento e dividir com outros profissionais suas dúvidas e anseios.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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