Gente apaixonada por Ubatuba


O avião (Parte III)

José Ronaldo dos Santos
Na parte precedente, dona Silvia descreveu a parte emocionante de iniciar algo novo em uma realidade totalmente estranha. Logo o casal percebeu que, os seres humanos, apesar de espalharem por todo o globo e de apresentarem infinitos aspectos culturais, também têm vícios idênticos, cobiçam sempre, sentem inveja etc. Isso é tão desgastante como um vizinho que quer obrigar os demais a suportarem o mesmo “gosto” musica, no mesmo volume ignorante, algo muito frequente em nossa cidade. Dependendo do tipo de vizinho vira “caso de polícia”, pois existe uma lei a ser cumprida não só por donos de quiosques, mas por qualquer morador ou visitante deste município. Afinal, nós pagamos impostos que também incluem ter sossego em nosso próprio lar! Porém, o que nos interessa agora é a continuidade da história da família Patural. Por altivez, compreensão, sobretudo com muita paciência, Jean-Pierre ultrapassou pequenos desgastes para poder voar mais alto. Tinha urgência em suas realizações; talvez tivesse a intuição de que dispunha de um tempo exíguo a escapar como areia seca nas mãos. Vislumbrou o quanto seria útil um outro meio de transporte. Sua casa se tornou um ponto de referência aos moradores quando os recursos culturais, a sabedoria popular já se esvaía como esperança. Um morador daquelas paragens me disse em certa ocasião: “O meu filho é vivo porque o francês tinha um avião que o socorreu. Ele levou a Taubaté o menino picado de cobra”.

Imaginem um avião no jundu do Ubatumirim! Com a palavra, a corajosa e fiel companheira, dona Silvia:

“O barco ajudava, mas mesmo assim, devido ao gênio de praticidade do meu marido, era necessário outra alternativa de transporte que diminuísse a perda de tempo. Havia também, no caso do barco, uma dependência das condições do mar. Nesse ínterim já tínhamos construído a nossa primeira casa no Ubatumirim. Assim, Jean-Pierre resolveu adquirir um avião, ou melhor, encomendou as instruções de uma empresa francesa. Novamente o nosso quintal em Taubaté se transformou. Agora era um hangar. Logo estava pronta a fuselagem; as asas deram mais trabalho. Um serviço que mais me impressionou foi a confecção da hélice: dos pedaços de madeira marfim surgiram as pás com suas aerodinâmicas perfeitas. Depois de pronto ele saiu do nosso quintal seguindo o mesmo modo da retirada do barco.



Após aprovação do Centro Técnico Aeroespacial de São José dos Campos, Jean-Pierre tirou brevê de piloto no Campo de Marte, em São Paulo. Aí foi uma maravilha!!! A partir de Pindamonhangaba, pois em Taubaté não havia campo de aviação, levávamos trinta e oito minutos até alcançarmos a nossa área de pouso no Ubatumirim, que construímos na proximidade da nossa casa. Na cabine havia espaço para duas pessoas; a Patrícia viajava no colo.

Aproveitávamos as férias escolares todas na roça. Quando a Patrícia tinha quatro anos, nasceu Jean-Pierre Patural Júnior. É, pois é! Ele nasceu no Ubatumirim!

Ele veio antes do previsto. Essas coisas acontecem; as mulheres entendem bem disso: as crianças não nascem no dia em que achamos que vão nascer. Estávamos no Ubatumirim, na nossa aconchegante casinha, quando comecei a sentir as contrações. Só que eu não fiquei nem um pouco preocupada, pois confiava muito no meu marido. Ele também era zootecnólogo; tinha sido o parteiro no momento do nascimento da Patrícia, em nossa casa de Taubaté. E, convenhamos, cá entre nós: não existe muita diferença entre o parto de uma mulher e o parto de uma vaca. Além do mais eu pensava: muitas mulheres já deram à luz neste lugar, com condições mínimas de higiene; seus filhos estão todos vivos. Isso sem contar que tínhamos uma farmácia bem montada para atender, em casos de emergência, a população local. Ah!!! Quantas vezes ela foi usada!!!

Assim nasceu a nossa segunda criança. A única inconveniência foi a falta de roupinhas e de fraldas para protegê-lo. Um lençol, que ainda era parte do nosso enxoval, foi cortado em pedaços regulares e resultou em oito fraldas. Ah! Nós mantínhamos na praia um ponto comercial, uma “vendinha”, para atendimento, sobretudo, dos empregados. Lá tinha, inclusive, o morim, que era um tecido muito barato. Foi de lá que o meu marido trouxe os panos que eu os transformei, costurando a mão, em várias pecinhas de roupas. Um balaio serviu de berço para o bebê. (Neste momento, a entrevistada vai buscar uma peça de roupa infantil minúscula já amarelada, dizendo que era azul. É uma relíquia feita com todo o carinho que só uma mãe muito sensível é capaz de conservá-la por meio século). É deste tempo a nossa relação com a caiçara Carmem”.

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