Brasil

Mulheres e Cidadania

Luiza Nagib Eluf
As próximas eleições já entraram para a história, independentemente do resultado. Pela primeira vez no país, duas mulheres disputam o cargo de presidente da República e estão entre os principais candidatos. Dilma Roussef (PT) e Marina Silva (PV) são as protagonistas deste pleito. Antes delas, tentaram Maria Pio de Abreu (em 1989, ficando em 17º lugar) e Heloísa Helena (em 2006, ficando em 3º lugar, com expressiva votação).

Se o fato de termos duas fortes postulantes ao Palácio do Planalto em uma mesma eleição é histórico e motivo de comemoração, a verdade é que a política no Brasil ainda é essencialmente masculina. A participação das mulheres é crescente na história brasileira, mas ainda está aquém do desejado. Somos a maioria da população do país e representamos 40% da força de trabalho fora do lar, mas continuamos invisíveis na área pública. Só em 1985, uma mulher se tornaria prefeita de uma capital (Maria Luiza Fontenelle, do PT, em Fortaleza) e, apenas em 1995, o Brasil elegeria a sua primeira governadora mulher (Roseana Sarney, no Maranhão). Apenas dois dos nossos Estados mais populosos já elegeram governadoras - o Rio de Janeiro (Rosinha Garotinho) e o Rio Grande do Sul (Yeda Crusius).

Na Câmara Federal o cenário é ainda mais desanimador. Em 184 anos de existência do Legislativo, nunca uma mulher ocupou um cargo titular na mesa da Câmara. São apenas 45 mulheres em meio a 513 deputados, ou seja, míseros 8% de representação feminina. No Senado, o percentual sobe para 13%, mas ainda é inexpressivo. O percentual de mulheres na Câmara Federal e no Senado brasileiros é um dos mais baixos da América Latina e do mundo.

Trata-se de um problema cultural. Durante grande parte da história do Brasil, as mulheres não tiveram direitos civis nem cidadania plena. A elas eram negados os mais elementares direitos políticos como votar e ser votadas. Somente em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito ao voto, depois de muita luta do movimento sufragista. Mesmo assim, apenas as mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria votavam.

A desigualdade de gênero nas instâncias de poder é um problema internacional. Em 1995, aconteceu em Pequim, China, a IV Conferência Mundial da Mulher, um verdadeiro marco no avanço dos direitos femininos. No entanto, muitas das recomendações feitas às delegações oficiais dos países participantes não foram implementadas. As propostas legislativas que visavam à garantia dos direitos das mulheres ao patrimônio, à saúde e à liberdade sexual não se realizaram em sua plenitude. Com a população feminina sub-representada nas áreas de comando e compondo apenas 20% dos legisladores em todo o mundo, segundo dados da ONU, estamos muito distantes das metas fixadas em Pequim.

Mulheres já foram eleitas para presidente ou primeira-ministra na Índia, Alemanha, Noruega, Inglaterra, Chile e Argentina, para citar alguns exemplos, mas uma andorinha só não faz verão. A emancipação efetiva será realidade apenas quando atingir todas as mulheres, em todas as classes sociais. Enquanto houver violência doméstica, discriminação no trabalho fora do lar e abusos sexuais nenhuma sociedade poderá dizer que a igualdade de gênero foi alcançada. Por essa razão, fortalecer e proteger a população feminina deve ser um projeto de governo.

As mulheres, que já tem a nobre função da maternidade, da qual muito se orgulham, precisam aprender a desfrutar da cidadania plena, que significa respeito, integridade física e psicológica e amparo social para as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. Democracia se aprende, se constrói, se exerce. A verdadeira democracia requer o acesso ao poder político. O Brasil cidadão precisa ser mais feminino, mais tolerante, mais igualitário, mais atento à preservação ambiental, em suma, mais responsável pelo seu próprio futuro.


Luiza Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso). É autora de vários livros, dentre os quais “A Paixão no Banco dos Réus” e “Matar ou Morrer, o Caso Euclides da Cunha”. Sempre lutou pelo fim da violência doméstica. É candidata a deputada federal pelo PV, n. 4369. Site: www.luizaeluf.com.br

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