Entrevista

Luiza Eluf

“Os homens matam as mulheres porque elas os contrariam de alguma forma”

Renata Vieira Pompeu de Camargo
Luiza Eluf, Procuradora do Ministério Público de São Paulo, afirma que o crime passional tem características próprias. A principal delas é o machismo, a prepotência masculina, o egoísmo extremo e a vontade de subjugar a mulher.

Direitos da mulher, direito civil e penal. Quando se trata do estudo e análise da legislação e jurisprudência destes temas nos dias atuais no Brasil, passa-se pelo nome de Luiza Nagib Eluf. Temas espinhosos e tratados de forma morna por membros do judiciário e formadores de opinião são esclarecidos de forma direta e segura nos discursos da Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Com seis livros publicados, alguns deles sobre o tema crime passional, Luiza Eluf afirma, nesta entrevista, que se interessou pelo assunto “por ser incompreensível que as pessoas matem somente porque um relacionamento acabou”. Ela ainda opina aventa a possibilidade de prisão preventiva de acusados em casos repercutidos na imprensa, como o do goleiro Bruno, suspeito número 1 de ter matado Eliza Samudio. Já no caso Pimenta Neves, Luiza Eluf é enfática: “Não resta nenhuma dúvida na face da Terra de que ele matou sua ex-namorada por motivo torpe e de surpresa. O fato de ele não ter sido preso ainda depõe contra toda a Justiça brasileira, traz descrédito ao judiciário e envergonha o país perante a comunidade internacional”.

Você é escritora de seis livros. Alguns deles tratam sobre crimes passionais. De onde partiu a ideia e quantos casos você estudou para compor estes livros?

Interessei-me pelos crimes passionais por ser incompreensível que as pessoas matem somente porque um relacionamento acabou. No início, não havia pensado em homicídios, meu interesse maior eram os crimes sexuais, sobre os quais escrevi um livro com duas mil e cinquenta e quatro páginas. No entanto, depois de pesquisar sobre estupro, atentado violento ao pudor, rapto, assédio, exploração da prostituição, tráfico de pessoas e outras figuras envolvendo a dignidade sexual, percebi que muitas vezes as agressões iam evoluindo para o crime de morte. E já comecei a pensar que minha próxima obra deveria ser sobre crimes passionais. Em 1999, publiquei meu livro técnico sobre "Crimes contra os costumes" (essa era a nomenclatura do Código Penal à época) e, em seguida, comecei a pesquisar os homicídios de mulheres praticados por seus companheiros ou ex-companheiros. Compilei cem casos e escolhi quinze para publicar. Os casos selecionados tiveram como critério a repercussão social que provocaram.

"Matar ou Morrer" trata-se do caso da morte de Euclides da Cunha. Conte-nos por que resolveu recontar essa história.

O caso Euclides da Cunha já constava de meu trabalho sobre Crimes passionais. No entanto, o ano de 2009 marcava o centenário da morte do escritor e seria uma boa oportunidade para retomar o assunto. Além disso, por sorte, caíram-me nas mãos as cópias integrais dos autos do processo de julgamento de Dilermando de Assis, o homem que matou Euclides por legítima defesa. Por essa razão, decidi dedicar um livro exclusivamente ao caso, com ilustrações importantes, fotografias de época, cartas e documentos que encontrei na Casa Euclidiana de São José do Rio Pardo. Mas minha intenção preponderante era "absolver" Ana, a mulher de Euclides, que depois se casou com Dilermando de Assis. Eu queria que a sociedade brasileira parasse de culpá-la pela morte do marido e quem ler a história contada em meu livro perceberá que ela nunca desejou ou provocou a morte de Euclides, o que ela queria era apenas refazer sua vida sentimental com outro homem, algo muito compreensível e legítimo.

No caso Pimenta Neves, qual a sua análise sobre a postura do Judiciário? Quais são as falhas? O que deveria ser feito de imediato, já que 10 anos se passaram e ele continua livre?

Acho um absurdo que Pimenta Neves esteja livre, leve e solto depois de ter matado Sandra Gomide a sangue frio, e ter sido condenado pela Justiça a 19 anos de prisão, pena essa que foi reduzida pelos Tribunais Superiores, mas que nunca foi anulada. Ou seja, ele foi condenado e essa condenação já foi confirmada pelos Tribunais para os quais a defesa dele recorreu. No entanto, sob o pretexto da "presunção de inocência", Pimenta encontra-se protegido por habeas corpus. No entanto, no caso dele, não há nenhuma presunção de inocência, pois ele é réu confesso, o seu crime foi presenciado por testemunhas que prestaram depoimento em Juízo e não resta nenhuma dúvida na face da Terra de que ele matou sua ex-namorada por motivo torpe e de surpresa. Assim, o fato de ele não ter sido preso ainda depõe contra toda a Justiça brasileira, traz descrédito ao judiciário e envergonha o país perante a comunidade internacional. Além disso, desmascara uma Justiça de classe, ou seja, quem pode pagar bons advogados consegue se furtar à aplicação da Lei, quem não pode mofa nas penitenciárias. A impunidade de Pimenta é um incentivo ao crime.

Casos como o da ex-namorada do goleiro do Flamengo e da advogada Mércia mostram que os principais suspeitos eram os seus namorados. Existe alguma relação nestes dois casos e semelhança nos perfis de Bruno e Misael?

O crime passional tem características próprias. A principal delas é o machismo, a prepotência masculina, o egoísmo extremo, a vontade de subjugar a mulher. E uma crueldade enorme. Os homens matam as mulheres porque elas os estão contrariando de alguma forma. O caso do goleiro Bruno parece extremamente cruel, se ele for realmente o culpado pelo desaparecimento (provável morte) de Eliza. Todo homem precisa entender que um filho é sempre de duas pessoas. Todo homem precisa assumir os filhos que gerar, porque crianças não têm culpa nenhuma das brigas dos pais. Ao contrário, as crianças merecem muito amor e compreensão, são tão frágeis e dependentes que abandonar o próprio filho e ainda matar a mãe dele, como muitas vezes já vimos acontecer, é estarrecedor. A Justiça e a sociedade não podem tolerar isso jamais.

Na sua opinião, a participação da imprensa nestes últimos casos colabora ou prejudica com o andamento da Justiça?

A imprensa tem um papel muito importante. A meu ver, não prejudica, mas ao contrário, colabora ao cobrar que as investigações caminhem bem e depressa.

Como Procuradora de Justiça do Ministério Público de SP, a senhora sempre lutou contra a violência da mulher. Conseguimos alguns progressos nesta luta?

Sim, conseguimos importantes avanços na luta contra a violência à mulher, como por exemplo, a criação das Delegacias de Defesa da Mulher e a Lei Maria da Penha, mas muito ainda precisa ser feito. Sinto-me chocada quando recebo notícia de mais um crime passional e somente descansarei quando essa situação mudar de verdade.

Estes delitos tornaram-se comuns em nossa sociedade. Qual a sua reflexão sobre estes casos?

Esses delitos não se tornaram comuns, eles sempre existiram! É que, atualmente, com a imprensa e a TV, podemos tomar conhecimento dos casos em tempo real. Entendo que a sociedade brasileira precisa reagir, pressionar o judiciário a ser mais rigoroso com esse tipo de coisa.

Em época de Copa Mundo, momento em que os torcedores endeusam os jogadores, a revista Veja acaba de publicar matéria com declarações contra o goleiro Bruno e que indicam sua culpa no caso de Eliza Samudio. Como à senhora interpreta esse terrível caso de morte?

É o cúmulo do terror um sujeito fazer isso com uma moça somente porque ela queria que ele reconhecesse o próprio filho. Homem que não deseja procriar deve usar preservativos em suas relações sexuais. Quem não se preocupa em evitar filhos precisa saber que, caso ocorra à fecundação da parceira, precisará assumir a paternidade. Filhos são sempre de duas pessoas. Foi-se o tempo em que crianças eram responsabilidade exclusiva da mãe. Nossas leis evoluíram no sentido de evitar que crianças fiquem no desamparo. Atualmente, um exame de DNA pode demonstrar com segurança a identidade do pai e ele terá que assumir a paternidade de qualquer forma. Ninguém tem o direito de sacrificar inocentes em nome de seu egoísmo machista. Nossos filhos são nossas verdadeiras prioridades e somente desta forma devem ser encarados.
 
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