Roda de causos

A ilha de Joatão

José Ronaldo dos Santos
“Ainda me alembro como se fosse hoje”. Com essas palavras comecei, numa bela manhã de domingo, escutando o velho Pedro Cabral, na praia do Perequê-mirim. O tema era a ilha Anchieta, um espaço tão corriqueiro dos pescadores caiçaras naquele tempo (início dos anos 70). O dia era 20 de junho; exatamente o dia em que estourou a rebelião no presídio da ilha, no ano de 1952. Naquele dia, da boca do citado praiano e de outros que formaram a roda, no jundu, eu escutava mais do que anotava. O interesse não era só porque eu gostava de escutar os causos do meu povo, mas também porque a professora nos deu a tarefa de pesquisar sobre a história do fato – o levante da ilha Anchieta. Disse que pretendia recolher o maior número possível de depoimentos, e, naquela praia, estavam vários ex-soldados e ex-funcionários que fizeram parte da história do presídio. Assim, um por um, nós montamos uma “colcha de retalhos”, um lindo painel que ficou bastante tempo na parede da nossa pequena escola para que todos lessem. Lá constava os nomes de honrados homens: Chico Cruz, Rodolfo Cabral, Dito Góis, Xavier, Faria Lima, Newton Cirillo e tantos outros.

A data da grande fuga: 20 de junho de 1952. No Instituto Correcional da Ilha Anchieta, cumpriam pena 453 presidiários. De 129 evadidos, 108 foram recapturados, 15 mortos e 6 desaparecidos. Policiais mortos: 8; funcionários civis: 2; presidiários: 3 (na ilha). Total de mortos: 28; órfãos: 23; viúvas: 9. Tais números estão documentados.

Assim como um ritual a cada ano, no último dia 20 pensei na data, mas as minhas obrigações com as escolas fizeram com que somente hoje, dia 24, sobrasse um tempo para redigir o presente texto. A cidade certamente esqueceu. Porém, ainda há tempo de fazer, como nos idos da minha escola primária, uma bela “colcha” com os retalhos de nossa história. Cada cidadão deste município tem o direito de manter viva memória, porque, como disse alguém, sem isso ninguém propõe nada; só copia. Também os que adotaram a cidade como a sua terra precisam refletir sobre uma identidade a ser resgatada, refeita, mantida e valorizada. Já passa da hora de, independente da região de onde veio, cada morador de Ubatuba refazer, participar da identidade local tal como fizeram os europeus, africanos e ameríndios: deixaram muito de si para se fundirem no ser brasileiro. É o que, no estudo da Filosofia, chamamos de dialética. E disso decorre a inspiração para o título deste: Joatão e a ilha, publicado em 1966, é uma obra maravilhosa para ser lida por todos, principalmente quem adora um desafio dialético. Seu autor, José Fonseca Fernandes, narra em forma de romance o grande levante. Por enquanto não vou escrever mais. Só deixo uma “isca”: “Quando Joatão e seus dois companheiros atingiram o Quiririm os demais já guardavam distância, ávidos de sumir do litoral. – Água boa esta – disse com satisfação o moço. -Não suportava mais a sede. Os outros dois já estavam de cara mergulhada no Quiririm. Joatão deitou-se na Praia do Puruba”.

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