Opinião

As remessas de lucros

Editorial do Estadão
Está acontecendo com as multinacionais europeias o mesmo que ocorreu com as norte-americanas no período mais agudo da crise de crédito internacional - suas subsidiárias brasileiras estão remetendo para as matrizes todo o dinheiro que possam, seja ou não lançado contabilmente como lucro ou dividendos. Para isso, algumas delas estão vendendo ativos para empresas brasileiras, ou de outros países que querem entrar em nosso mercado ou ampliar seus negócios aqui. De janeiro a abril, as remessas de lucros foram de US$ 8,078 bilhões, dos quais US$ 4,4 bilhões ou 54,5% de responsabilidade de companhias europeias. Como as empresas brasileiras que operam no exterior remeteram para cá US$ 147 milhões, o déficit nessa conta é de US$ 7,931 bilhões, total que supera os investimentos estrangeiros diretos no período, US$ 7,880 bilhões (líquido).

Isso seria motivo de apreensão. Mas o Brasil já superou a fase em que alguns setores identificavam nas "transferências internacionais" as raízes de nossos males econômicos. Elas são livres e devem continuar livres, desde que não resultem de atividades ilícitas e cumpram as obrigações tributárias, estando em conformidade com as leis em vigor.

Mas o País está sofrendo, sim, o impacto da crise fiscal que se abate sobre os países da zona do euro e que, pelo menos até agora, não se refletiu nas exportações para nenhum país europeu. A situação é mais séria na Espanha e em Portugal, que figuram hoje como grandes investidores no Brasil. É significativo que as transferências de lucros para a Espanha tenham atingido cerca de US$ 1,1 bilhão no quadrimestre, um aumento de 80% com relação ao mesmo período do ano passado. Já os investimentos espanhóis no Brasil tiveram um recuo de 74% de janeiro a abril.

É normal esperar que, com a aceleração do ritmo de atividade no Brasil, as empresas instaladas no País obtenham maiores ganhos e que as subsidiárias das múltis remetam mais lucros para o exterior, o que tem sido também favorecido pela sobrevalorização do real. E essa tendência se acentua quando os países que aqui mais investem passam por crises.

Como mostrou reportagem do Estado (15/6), as remessas de lucros cresceram mais de dez vezes desde 2000, atingindo o pico de US$ 33,8 bilhões em 2008, sob influência direta das turbulências da economia nos EUA, que desembocaram na crise de 2008/2009, com repercussões globais.

Isso, naturalmente, causa problemas para o balanço de pagamentos do Brasil. Com um superávit comercial bem mais baixo que nos últimos anos e com forte pressão sobre a conta de serviços e rendas, que se agrava com o maior peso do déficit do item remessa de lucros e dividendos, o déficit em transações correntes pode superar US$ 76,1 bilhões este ano, como estima o Banco Central. Tudo vai depender do saldo da conta de comércio, que está em recuperação.

O Brasil não tem motivo para adotar restrições, ainda que burocráticas, ao fluxo internacional de capitais, mesmo porque é um de seus grandes beneficiários. Os investimentos diretos das empresas europeias podem cair, as suas remessas podem aumentar, mas não é irrealista esperar que o investimento estrangeiro cresça no segundo semestre deste ano, podendo alcançar US$ 36 bilhões em dezembro, como é a expectativa do mercado. Como mostrou um estudo do professor Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC, o Brasil é, entre os Brics, o país que mais recebeu investimentos diretos estrangeiros em relação ao PIB.
Leia mais

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu