Opinião

Como se dança o baião

Fernando Gabeira
Entristecem-me as manifestações discriminatórias contra os nordestinos. Rejeito a tese de que o Bolsa Família foi o único fator de peso nas votações por lá. Minhas constantes viagens ao Nordeste fortaleceram a impressão não só de que a região cresceu muito como ainda é bastante presente essa sensação de prosperidade. Basta visitar Campina Grande para descobrir uma grande cidade e andar pelas ruas de Recife e Vitória da Conquista para sentir a febre imobiliária ainda em curso.

Quando perguntei a um nordestino que voltava à região, numa feira do interior baiano, o que achava ao rever sua terra:

— Tudo melhorou. A começar pelas estradas, agora asfaltadas.

O governo investiu na região, apesar de obras superfaturadas, como a refinaria Abreu e Lima, ou atrasadas, como a transposição do São Francisco.

O crescimento trouxe também grandes problemas: segurança, por exemplo. Maceió é a cidade mais violenta do Brasil, cresceu a criminalidade na região metropolitana de Salvador, e a própria Bahia vive o fenômeno do cangaço moderno, grupos armados que assaltam bancos, explodem caixas eletrônicos e cercam delegacias de polícia enquanto operam nos bancos.

Os dois candidatos falaram de segurança pública, numa mesma direção: centralizar, integrar, trocar informações. Até que ponto essa posição correta chega a sensibilizar um garoto da periferia de Maceió, ou um bancário do interior baiano, expostos a grandes riscos? Ninguém falou diretamente para eles.

Com todas as críticas que faço ao governo, constato que ganhou no Nordeste quem se dedicou mais à região. As eleições são muito curtas para um país tão extenso. Não bastam mais apenas algumas visitas durante uma campanha. Serão necessárias uma política e uma presença constantes. Às vezes, esse problema era contornado com um vice do Nordeste. Mas um vice é um vice, nem sempre é uma solução.

Eduardo Campos rompeu com o governo e queria ser o candidato da região. Ele cresceu muito também com obras associadas ao governo federal. De uma certa forma, ao se lançar candidato, dividiu o eleitorado em Pernambuco e partiria para uma campanha nacional. Era também uma outra maneira de enfatizar a importância do Nordeste.

Não sou analista de campanhas, nem tenho a pretensão de explicar tudo. Mas uma lição elementar que a disputa de 2014 trouxe é a de que é preciso se dedicar ao Nordeste desde agora. Não há tempo, nem é convincente, cuidar disso apenas numa campanha. Como se dedicar ao Nordeste, se apenas o governo tem recursos para investir na região? É uma questão que só pode se resolver através da política de fiscalização das obras, sobretudo as polêmicas, de presença nos grandes temas, como a segurança pública, no encontro de novos temas, através da convivência mais estreita com os problemas reais que preocupam os nordestinos.

Não pretendo escrever um programa de ação, ainda mais num domingo. Mas creio que a oposição no Senado já terá massa crítica, com a presença de eleitos no próprio Nordeste, para planejar essa imersão. Dentro do governo, imagino, deve haver gente pensando o mesmo sobre São Paulo e, naturalmente, alguns menos íntimos de derrotas reclamando dos eleitores paulistas. Dilma chegou a dizer que o eleitor de São Paulo era pouco informado. Entendeu pouco do que se passa.

São apenas algumas impressões. É possível derrotar o discurso da divisão entre regiões. É possível derrotar o discurso da divisão rígida entre ricos e pobres, que ouço desde a primeira campanha que vi, a do Brigadeiro Eduardo Gomes contra o Eurico Gaspar Dutra. O discurso jamais vai se autoextinguir. Será preciso solapar suas bases. Vamos dançar o baião? Socorre-me o talento de Luiz Gonzaga:

“Eu vou mostrar pra vocês

Como se dança o baião

E quem quiser aprender

É favor presta atenção”

Quanto mais nos conhecermos, viveremos, sem dúvida, diferentes escolhas eleitorais, mas com naturalidade. Não colocaremos o foco nas regiões e suas escolhas e sim nas políticas que não souberam conquistá-las. Tanto no futebol como na eleição, trabalhar duro pode ser o mapa para reencontrar o caminho da vitória. Ou um esboço do mapa.

Às vezes, grandes temas nacionais dissolvem as fronteiras regionais. O Plano Real foi um deles. O escândalo da Petrobras pode ser outro. São problemas que influenciam eleições, mas transcendem suas contas de chegada. Passam a ser referência na trajetória histórica dos partidos: sobrevivem à abertura das urnas.

Para velhos tuaregues como eu, será uma animada travessia do deserto.

Original aqui

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