Opinião

Desperdício inaceitável

O ESTADO DE S.PAULO
Em meio a um dos períodos de seca mais dramáticos de que se tem memória no País, surgem novos dados que atestam um nível inaceitável de desperdício de água nos maiores municípios. Ainda que os números comprovem também importantes avanços na universalização do serviço de distribuição de água nas grandes cidades, as perdas constatadas deveriam ser suficientes para provocar uma ação enérgica das autoridades.

Estudo do Instituto Trata Brasil, que desde 2007 acompanha o trabalho de saneamento básico no País, constatou que 40% dos 100 municípios avaliados perderam mais de 45% da água faturada, isto é, efetivamente distribuída para os consumidores. Dessa fatia, 11 cidades perderam mais de 60%. Apenas 27% dos municípios sofreram perdas inferiores a 30% e somente 4 deles tiveram perdas menores que 15%, que é o nível considerado aceitável pelos autores do estudo. Já as cidades que sofreram perdas entre 30% e 60% equivalem a 62% do total.

Há casos espantosos entre as cidades analisadas, com base em dados de 2012. Macapá, capital do Amapá, é a recordista de desperdício no País, com 73,91% da água faturada, seguida de Porto Velho (RO), que perde 70,66%. Outras capitais com péssimo desempenho são Recife (62,03%), Boa Vista (62,84%) e Cuiabá (65,31%).

Tais indicadores expõem problemas graves de infraestrutura, pois a maior parte da água é desperdiçada em razão de vazamentos, ligações clandestinas e erros de medição, entre outras falhas. No caso da Grande São Paulo, por exemplo, um estudo recente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) indica que 17% da rede de distribuição tem mais de 40 anos de idade e 34% têm entre 34 e 40 anos. A região central é a mais problemática, pois suas tubulações foram instaladas há cerca de 80 anos.

Ademais, 40% dos vazamentos não são visíveis, pois ocorrem na tubulação enterrada, sendo necessárias técnicas mais sofisticadas para sua detecção. São essas as perdas mais significativas da Sabesp, segundo aponta sua investigação, pois representam 66% do total do desperdício de água tratada que a empresa produz.

O cenário em São Paulo não é bom nem mesmo em relação aos vazamentos visíveis. De acordo com a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), o número de reclamações em relação a esse problema cresceu 89% no primeiro bimestre deste ano em comparação a igual período de 2013.

O Instituto Trata Brasil informa que o índice de perdas em São Paulo chegou a 36,3% em 2012, número semelhante ao apurado pela Arsesp. Para a Sabesp, contudo, o porcentual naquele ano foi de 32,1% e o atual é de 31,2%. A meta para 2014 é baixá-lo para 29,3%, o que obrigaria a empresa a proceder a troca das tubulações antigas a toque de caixa. A julgar pelos números do Trata Brasil, porém, isso não deve ocorrer tão cedo. O índice de desperdício em São Paulo, em vez de diminuir, aumentou entre 2011 e 2012, o que indica uma clara lentidão para a resolução dos problemas.

Mesmo com todos esses reveses, a capital paulista aparece entre as melhores cidades analisadas - e há outros 10 municípios de São Paulo entre os 20 primeiros colocados do ranking, que leva em conta não somente a distribuição de água, mas também a coleta e o tratamento de esgoto. Isso significa que a situação nas metrópoles em geral é crítica.

A média de perdas nas grandes cidades é de 39,43%, maior do que a média nacional, de 36,9%. Em 90% dos municípios, a redução das perdas foi inferior a 10% no período, de onde se conclui, conforme o relatório, que "pouca importância tem sido dada a esse tema, mesmo nas maiores cidades".

As notícias diárias sobre a crescente possibilidade de um colapso no fornecimento de água em razão da seca prolongada são um lembrete de que a abundância a que os brasileiros se habituaram não existe mais. Por esse motivo, impõe-se a adoção urgente de uma política responsável para combater o desperdício e racionalizar o uso da água no País.

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