Opinião

O maltratado Museu Paulista

O Estado de S.Paulo
O estado lastimável em que se encontra o Museu Paulista - ou Museu do Ipiranga, como é mais conhecido - é mais uma demonstração do pouco-caso com que o poder público trata algumas das mais importantes instituições culturais do País. A situação em que se encontra esse edifício se deteriorou tão rapidamente nos últimos meses que obrigou a direção do museu a fechá-lo às pressas, no sábado passado, para evitar que visitantes e funcionários fossem vítimas de acidentes. A reforma das instalações, já prevista, vai ser antecipada.

Os dizeres de um grande cartaz colocado numa tela de proteção à frente da sua entrada principal resumem as consequências de anos de abandono: "Não ultrapasse a faixa - risco de queda de revestimentos". O perigo era tão grande que não foi possível nem mesmo esperar a segunda-feira para o fechamento. Comunicado da diretoria, divulgado domingo, explicou que essa decisão repentina se deveu ao fato de vistoria técnica ter mostrado a necessidade de iniciar com urgência reforma destinada a garantir não só "a incolumidade dos visitantes e servidores", como também "a proteção física do acervo".

Em outras palavras, tudo estava sob ameaça, das pessoas aos bens mais preciosos do museu - livros, documentos, obras de arte e outros objetos de valor histórico. Além da biblioteca com mais de 100 mil volumes e do Centro de Documentação Histórica, com cerca de 40 mil manuscritos, há milhares de outras peças, como mobiliário, roupas e lembranças da família imperial. Sem falar na obra de arte mais conhecida - o quadro "Independência ou Morte", de Pedro Américo (de 1888). Esse acervo atrai visitantes - principalmente escolares - cujo número chega a 3 mil aos domingos.

A data para o início da reforma - já decidida no ano passado e que exigirá investimento de no mínimo R$ 21 milhões - só será marcada depois que terminar uma ampla vistoria destinada a fornecer um quadro preciso da situação, o que deve acontecer na metade do segundo semestre. Mas as rachaduras, a queda frequente de reboco e as condições precárias do forro de vários cômodos - o de um dos salões cedeu dez centímetros, o que levou a sua interdição meses atrás - já bastam para mostrar o quanto avançou o processo de deterioração.

Além de resolver esses problemas e outros a serem indicados pela vistoria, a reforma prevê a construção de um anexo para acomodar reserva técnica e laboratório, rampas e banheiros, a troca da fiação elétrica e a recuperação da fachada. Como reconheceu no ano passado a diretora do Museu, Sheila Walbe Ornstein, os R$ 21 milhões de recursos públicos não serão suficientes para custear essas obras e, por isso, a instituição espera contar com ajuda da iniciativa privada.

Esse tipo de ajuda é comum em muitos países, mas é de prever que as empresas privadas dificilmente abrirão a bolsa - e com razão -, se não sentirem que o poder público, neste e em outros casos, está disposto a mudar sua maneira de tratar as grandes instituições culturais. Diz Sheila Ornstein ser "comum que museus instalados em prédios históricos fechem parcial ou totalmente para restauro e modernizações". É verdade. Mas essa verdade não se aplica inteiramente ao Museu Paulista, porque o descaso com que ele passou a ser tratado pela Universidade de São Paulo (USP), desde que foi a ela incorporado em 1963, é tal que foge à norma.

Já está mais do que na hora de o poder público - neste caso representado pela USP - mudar a sua forma de tratar as instituições e bens culturais, seguindo o exemplo dos países desenvolvidos, que não hesitam em gastar o que é preciso para preservá-los. Trata-se de um compromisso ao mesmo tempo com a sua identidade cultural e com a civilização.

É dentro dessa perspectiva que se deve encarar a recuperação tanto do Museu Paulista como da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - uma das dez mais importantes do mundo, pelo tamanho e valor de seu acervo -, também em situação difícil, vítima da má vontade de sucessivos governos.

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