Opinião

Longa vida para o brasileiro

O Estado de S.Paulo
O IBGE informou que a expectativa de vida do brasileiro subiu 11 anos nas últimas três décadas. Visto isoladamente, esse dado reluz como uma boa notícia, e certamente haverá marqueteiros oficiais que tratarão de explorá-lo como tal. Mas estatísticas nunca são divorciadas do contexto em que são produzidas - e, neste caso específico, aquilo que parece ser uma grande conquista do Brasil, isto é, o aumento da longevidade de seus cidadãos, aponta para um cenário de agravamento da crise do depauperado sistema previdenciário.

De acordo com o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro passou de 63 anos, 7 meses e 24 dias, em 1980, para 74 anos e 29 dias, em 2011. Nos últimos 11 anos, essa expectativa teve um incremento médio anual de 3 meses e 29 dias. A mortalidade caiu em todas as faixas etárias, particularmente a infantil, reduzida de 66,1 mortes por grupo de mil nascidos para 16,7 por mil nascidos - 75% em média. Há casos notáveis, como nos Estados do Ceará, de Pernambuco e da Paraíba, onde esses óbitos diminuíram em mais de 80%.

Os números parecem auspiciosos, mas é bom observar que, na última década, a expectativa de vida no Brasil teve um ritmo de crescimento semelhante ao observado no resto do mundo, o que manteve o País ainda muito distante das nações que lideram o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Segundo a medição de longevidade que compõe o IDH, o Brasil saiu do 116.º lugar e ocupa agora o 91.º, nível equivalente ao de países pobres da Europa, como a Bulgária. Em termos de mortalidade infantil, o Brasil subiu do 118.º lugar para um constrangedor 97.º.

Mesmo assim, o fato é que os brasileiros estão vivendo mais e melhor, em razão de uma série de fatores. Houve, por exemplo, expansão das redes de água tratada e de esgoto e aumento do grau de escolaridade das mulheres - o que deu às mães melhores condições de cuidar dos filhos e influiu na queda da fecundidade, o que, por sua vez, contribuiu para reduzir a mortalidade materna e de recém-nascidos. Além disso, as campanhas anuais de vacinação das crianças, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), os programas de transferência de renda e o avanço das tecnologias médicas também tiveram papel importante na evolução.

Com o envelhecimento da população, porém, haverá cada vez mais aposentados, os quais, graças à legislação vigente, receberão benefícios previdenciários por mais tempo que os atuais beneficiários. A conta não fecha, mesmo com a arrecadação batendo recordes em virtude do aumento do número de contribuintes, consequência da crescente formalização do mercado de trabalho. No fim de 2012, o déficit da Previdência Social chegou a R$ 42,3 bilhões, 9% acima do verificado um ano antes. Somente em junho passado, o rombo atingiu R$ 3,2 bilhões, uma alta de 7,8% em relação ao mesmo mês de 2012.

Especialistas defendem que, diante do envelhecimento acelerado da população, o Estado adote políticas ainda mais restritivas, além do fator previdenciário, para adiar o colapso total do sistema. Há estimativas da própria Previdência segundo as quais o déficit crescerá nada menos que 20 vezes até 2050 e atingirá quase 6% do PIB. A previsão para este ano é de que o Tesouro tenha de desembolsar R$ 41,8 bilhões para que o sistema não quebre.

Além da questão previdenciária, a mudança do perfil etário do brasileiro desafia a União, os Estados e os municípios por demandar aumento de gastos em atendimento médico e em políticas voltadas para os idosos, um grupo que geralmente é esquecido pelo poder público. Estudos mostram que a maior parte dos recursos destinados a essa faixa etária é alocada nas aposentadorias, restando muito pouco para investir em saúde específica para os idosos.

Considerando-se o fato de que mais de 70% da população com mais de 65 anos de idade no Brasil tem alguma doença crônica, o que hoje dá algo em torno de 10 milhões de pessoas - e em 2025 serão cerca de 27 milhões -, esse não é um problema menor.

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