Política e conexos

Feijoada

Sidney Borges
Não sou bom para recordar nomes de filmes, mas consigo rever com nitidez algumas cenas que de um jeito ou de outro me marcaram. Por exemplo: lembro-me do piloto de um pequeno avião sobrevoando a África. Depois de beber uma coca-cola, ele abriu uma janelinha e jogou a garrafa sobre a selva.

O filme é do tempo em que garrafas de coca-cola eram feitas de vidro espesso, transparente e esverdeado, pesadas, podiam bater pregos sem quebrar. Essa caiu na cabeça de um bosquímano, povo primitivo segundo a visão dos europeus que no século XIX invadiram a África para onde levaram a civilização, dizimando, matando, explorando e catequizando os nativos para a vida pós vida. Em nome de Deus!

Difícil situar os bosquímanos, povo em que crianças e mulheres merecem respeito, a violência é praticamente desconhecida e não existe propriedade particular. O pouco que há pertence a todos. Caçadores e coletores, comunicam-se por sons produzidos por estalos da língua no céu da boca, linguagem diferente de tudo que há. Eles também não têm noção de perspectiva, ou seja, elefantes que estão perto são grandes, os que estão longe são pequenos. Não em função do ângulo visual, os bosquímanos imaginam que existam elefantes do tamanho de cães e menores ainda, do tamanho de ratos. Romântico, eu adoraria ter um elefantinho do tamanho do meu cachorro.

Voltando ao filme e à garrafa de coca-cola. Levada para a aldeia tornou-se objeto de discórdia tal a sua espantosa utilidade. Todos a queriam, era prática para quebrar cascas de frutos, preparar farinha, enrolar fibras com que as mulheres teciam e para transportar água. No princípio foi considerada um presente dos deuses.

Com o passar do tempo começou a gerar conflitos e os pacíficos bosquímanos resolveram que deveria ser devolvida aos deuses, com todo o respeito. Uma dupla de guerreiros foi encarregada de ir ao fim do mundo lançá-la do abismo. Em tempo, esse povo singular considera a Terra chata e finita, tendo abismos ao redor.

Não tenho lembrança do que aconteceu depois, acho que acabou bem para os bosquímanos do filme, os de verdade caminham para a extinção, ou seja, para o fim do mundo peculiar aos que morrem.

Essa noção bosquímana de perspectiva eu senti quando viajei de avião pela primeira vez, aos três anos de idade. Fiquei perplexo quando minha mãe disse que estávamos indo para a casa de minha avó e eu olhando pela janela via tudo parado. Mistério.

Hoje sinto a mesma sensação quando olho para o panorama político de Ubatuba. Faltando pouco mais de seis meses para a eleição, tudo parece parado como a paisagem vista da janela do DC-3 em 1951.

Mas é só aparência, a coisa está fervendo.

No domingo fui almoçar na casa de um amigo que completava mais um ano de vida. Tinha muita gente, o dia estava ensolarado e não muito quente, ótimo para encontrar amigos e colocar as coisas em ordem.

Depois da feijoada - excelente - começamos a conversar ao redor da piscina. 

Em certo instante veio à tona a eleição de 7 de outubro. Perguntei às pessoas à minha volta em quem iriam votar. Surpresa, houve demora para responder, alguns sequer sabiam os nomes dos candidatos, mas todos ponderaram os prós e os contras em relação aos postulantes.

Depois de algum tempo cada um dos arguídos respondeu.

Outra surpresa, os votos convergiram - todos - para um único nome.

Não me pergunte qual foi o resultado, não posso dizer, foi um massacre.

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