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Os EUA iam acabar em 1861

Elio Gaspari, O Globo (original aqui)
Os Estados Unidos iam acabar. Não nesta semana, mas há exatos 150 anos, depois que as tropas do Sul venceram em Manassas, a primeira grande batalha da Guerra Civil.

Grandes políticos ingleses, bem como o "The Economist" e o "The Times" (pré-Murdoch), achavam que o presidente Lincoln forçara a mão com o Sul. Quatro anos e 620 mil mortos depois, a União foi preservada e acabou-se a escravidão.

Passou pouco mais de meio século e, de novo, os Estados Unidos iam acabar. A Depressão desempregou 25% de sua mão de obra e contraiu a produção do país em 47%. A crise transformou o fascismo e o nazismo em poderosas utopias reacionárias. De Henry Ford a Cole Porter, muita gente encantou-se com o ditador italiano Benito Mussolini.

Dezesseis anos depois, as tropas americanas entraram em Roma, Berlim e Tóquio. Em 1961, quando os soviéticos mostraram Yuri Gagarin voando em órbita sobre a Terra, voltou-se a pensar que os Estados Unidos iam-se acabar. Em 1989 acabou-se o comunismo.

A decadência americana foi decretada novamente em 1971, quando Richard Nixon desvalorizou o dólar, ou em 1975, quando suas tropas deixaram o Vietnã. O dólar continua sendo a moeda do mundo, inclusive para os vietnamitas.

A última agonia, provocada pela exigência constitucional da aprovação, pelo Congresso, do teto da dívida do país foi uma crise séria, porém apenas uma crise parlamentar. Para o bem de todos e felicidade geral das nações, não só os Estados Unidos não se acabam, mas o que se acaba são os modelos que se opõem ao seu sistema de organização social e política.

No cenário de hoje, o ocaso americano coincidiria com a alvorada de progresso e eficácia da China. Lá, o teto da dívida jamais será um problema. Basta que o governo decida. Como lá quem decide é o governo, nos últimos cem anos o Império do Meio passou por dois períodos de fome que geraram episódios de antropofagia.
Hoje a China não tem os problemas dos Estados Unidos, afinal, nem desastre de trem pode ser discutido pela população.

Guardadas as proporções, o sistema político brasileiro, seria melhor que o americano, porque não haveria aqui a crise parlamentar provocada pelo teto da dívida. Se houvesse, o Brasil não teria quebrado nos anos 80 por ter tomado empréstimos dos banqueiros que ajudaram a criar a encrenca que hoje atormenta Washington.

Aquilo que parece uma crise da decadência é uma simples e saudável manifestação do regime democrático. Quando os negros americanos foram para as ruas, marchando em paz ou queimando quarteirões, também temeu-se pelo futuro do país. O que acabou foi a segregação racial.

Se hoje há uma crise nos Estados Unidos, ela não está nas bancadas republicanas ou mesmo na influencia parlamentar do movimento Tea Party. Eles defendem o que julgam ser o melhor caminho para o país. A crise está em outro lugar, na negação, por um tipo de conservadorismo extremado, dos valores que fizeram da nação americana o que ela é.

Quando o governo Bush sequestrou suspeitos pelo mundo afora, levando-os para centros de tortura, e viu-se obrigado a soltar alguns deles, porque não eram o que se pensava, aí, sim, os Estados Unidos estavam em perigo.

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