Opinião

Os ''cursinhos'' para o Enem

Editorial do Estadão
Desde que o Ministério da Educação (MEC) modificou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em março do ano passado, convertendo-o na principal forma de ingresso nas 55 universidades federais, por meio do Sistema de Seleção Unificada, muitos estabelecimentos de ensino - principalmente os particulares e confessionais - reformularam seus projetos pedagógicos e passaram a produzir material didático, fazendo "simulados" e oferecendo cursinhos específicos para a prova. Várias escolas admitem que a adequação dos currículos ao perfil de exigências do Enem é uma estratégia para se manter no topo do ranking de qualidade do MEC.

Pelas novas regras do MEC, as notas do Enem poderão ser utilizadas para preencher cerca de 42 mil das 183 mil vagas das universidades mantidas pela União. A possibilidade de disputar diversos cursos sem precisar se inscrever em vários vestibulares é o que atrai os estudantes. Além disso, o Enem é geralmente um exame menos "difícil" do que os vestibulares tradicionais.

A mudança no Enem também abriu novos negócios para os cursinhos preparatórios para vestibulares. Eles lançaram os chamados "laboratórios intensivos", com distintos formatos e duração que varia de cinco dias a dois meses e meio. Voltadas especificamente para essa prova, as aulas são preparadas para que os alunos entendam a lógica de avaliação do MEC e aprendam a lidar com o tempo para resolver as questões.

As atividades dos "laboratórios intensivos", que são distintas das dos cursinhos tradicionais, valorizam a memorização e desenvolvem a capacidade de argumentação com base em temas da atualidade, como genética, aquecimento global, crescimento autossustentado, preservação ambiental e globalização econômica. Nas aulas, os professores dão "dicas" de respostas aos alunos e se concentram nos conteúdos e habilidades exigidos pelo MEC em quatro áreas: matemática, ciências humanas, ciências da natureza e linguagem.

Para os cursinhos preparatórios, os "laboratórios intensivos" para a prova do Enem são apenas mais uma forma diferenciada de educação, que surgiu como decorrência natural das mudanças do sistema de avaliação do MEC. A exemplo dos cursinhos, as editoras especializadas em livros didáticos também lançaram centenas de publicações com exercícios e resumos teóricos sobre temas da atualidade. Há até livros de palavras cruzadas especialmente preparados para quem vai se submeter ao Enem.

Os educadores criticam essa ofensiva comercial no campo da educação, atribuindo-lhe o objetivo único de conquistar o mercado aberto pelas mudanças no Enem. Para alguns pedagogos, esse tipo de preparação dos estudantes para o Enem vai estimular as escolas a adotar medidas prioritariamente voltadas para objetivos mercadológicos, desfigurando um mecanismo cujo principal objetivo é aprimorar a qualidade do ensino médio. Com isso, o Enem poderá deixar de refletir a real situação das escolas. "Vai ser difícil identificar os valores e o conhecimento que a escola agregou aos estudantes. Sem contar que existem escolas com a política deliberada de expulsar alunos que não conseguem acompanhar o nível de ensino", diz Eduardo de Andrade, Ph.D. em economia da educação e professor do Insper.

Para outros pedagogos, os "laboratórios intensivos" para o Enem têm o mesmo defeito dos tradicionais cursinhos preparatórios para vestibulares. Ou seja, eles tentam ensinar, em poucas aulas e de forma açodada, o que os estudantes deveriam ter aprendido nas três séries do ensino médio. "A intenção do MEC é transformar o ensino médio. Mas as habilidades devem ser construídas a longo prazo e não num cursinho efêmero", diz Alípio Casali, professor de pós-graduação em educação da PUC/SP.
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