Coluna do Celsinho

Kombi

Celso de Almeida Jr.
Van é exagero.
 
Uma Kombi resolve.
 
Na frente, dois guardas municipais, um dirigindo.
 
Atrás, dois assistentes sociais.

Acompanhando, uma viatura da polícia militar.

Quinze dias antes, uma conversa com o comandante da PM.
 
Convocar pastores e padres também é necessário.
 
Geralmente, as igrejas têm uma enorme capacidade de mobilização, contando com o apoio de fiéis para auxiliar nas tarefas que pedem muita solidariedade e desprendimento.
Pronto.
 
Pera aí...
 
Prepare uma garrafa térmica com café e um isoporzinho com sanduíches para nutrir a turma da perua e da viatura policial.
 
Agora sim...
 
Primeira parada, lá pela meia noite, em frente à Santa Casa.
 
Há vários por ali.
 
Acomodam-se na entrada do Banco do Brasil.
 
Encontram-se, também, na  avenida  Iperoig  e em outros lugares.
 
Será fácil localizar.
 
A primeira abordagem é dos assistentes sociais.
 
Convencer a entrar na Kombi, explicando que boa comida, um banho e uma cama confortável esperam em lugar seguro.
 
Se a palavra não resolver, Guardas e PMs seguram firme nos braços e colocam o sujeito no utilitário.
 
Não vejo mal algum em subir o tom.
 
Não é necessário dor de consciência.
 
Afinal, na calçada, largado, faminto, está um desorientado brasileiro, que só tem no Estado a última chance de conquistar a cidadania.
 
Nesta hora, nada de imaginar que um apertinho no braço representa desrespeitar direitos humanos; ferir a Constituição.

Ferida está a nação que não toma atitude em situações desta natureza.
Deve-se encarar como uma operação de guerra, onde ser bonzinho é ser pusilânime.
 
Põe na Kombi e pronto!
 
A serenidade virá depois.
 
Em igrejas ou galpões, alguns religiosos esperam pela chegada de mais um necessitado.
 
Assistentes e policiais transferem a responsabilidade para estes abnegados munícipes que receberão o morador de rua com respeito, alimento, asseio e carinho, doando uma madrugada inteira para ampará-lo.
 
Amanhece...
 
Nem precisa desligar o motor.
 
Outra equipe entra no veículo, já com seu café e seu isoporzinho.
 
Voltam agora aos locais onde o mendigo foi recebido, com novos fiéis de prontidão.
 
Começa outra empreitada.
 
Um bom café da manhã e o início da identificação destas pessoas.
 
Tem documento?
 
De onde veio?
 
Como chegou aqui?
 
Pode ser, até, que muitas venham de um mesmo lugar, numa ação orquestrada por especialistas em transferir problemas de suas cidades para municípios, digamos, menos organizados...
 
Daí em diante, não será difícil.
 
Uma passagem de ônibus para a cidade de origem, às vezes, resolve.
 
Ao mesmo tempo, uma ação ostensiva onde se concentrava a mendicância evitará que o problema se repita.
 
Há muitas possibilidades, bastando acionar organismos estaduais, federais, particulares, associações, igrejas, hospitais, centros de recuperação, ONGs, encarando o problema, buscando soluções.
 
Três meses com a Kombi nas madrugadas e a história será outra.
 
Por falar nisso, na infância, em São Paulo, lembro de uma enferrujada, na esquina de casa.
 
Frequentava meus pesadelos, perseguindo-me a toda velocidade, com dentes pontiagudos estampados na lataria, bem abaixo do vidro dianteiro...que medo!
 
Para os desamparados moradores de rua, espero que ela garanta melhores lembranças.

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