Opinião
Tunga no FGTS
O Estado de S.Paulo
Para cumprir a meta do superávit primário do setor público nos últimos anos, o governo não tem hesitado em realizar manobras contábeis, incorporando receitas de estatais ou não levando em conta certas despesas. Este ano, pelo visto, não será exceção.
Nos cortes de R$ 55 bilhões anunciados na semana passada pelos ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, no Orçamento-Geral da União para este exercício, consta uma parcela de R$ 2,96 bilhões, relativa à multa adicional de 10% paga pelas empresas que demitirem trabalhadores sem justa causa, recursos que, por lei, deveriam ser creditados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), gerido pela Caixa Econômica Federal (CEF).
A jogada se tornou possível porque não há exigência de que o repasse seja feito "imediatamente" ao Fundo. Os atilados técnicos do governo se valeram da inexistência desse advérbio no texto legal para encaixar essa parcela nos cortes. E não foi especificado quando esses recursos voltarão para o FGTS, que pertence aos trabalhadores e não ao governo. Trata-se de uma verdadeira tunga. É como se a importância retida fizesse parte, para todos os efeitos, da arrecadação tributária do governo - quando na verdade o governo é mero intermediário entre a empresa que paga a multa e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que a recebe.
O governo, nesse caso, não improvisou. A artimanha vinha sendo tramada há tempo. Como mostrou o artigo de Ribamar Oliveira, publicado pelo jornal Valor (23/2), a tabela sobre resultados do Tesouro Nacional (de qualquer mês), constante da página do órgão, que pode ser acessada pela internet, informa, em nota de rodapé, que a metodologia utilizada "não inclui receitas de contribuição do FGTS e despesas com o complemento da atualização monetária, conforme previsto na Lei Complementar n.º 110/2001". A "limpeza", portanto, era feita há tempo, em antecipação ao corte de R$ 2,96 milhões, agora efetivado. Esse valor faz parte dos cortes incluídos nas "reestimativas de despesas obrigatórias". Ao reestimar, o governo passou por cima de uma obrigação legal, ou seja, ficou com a receita e cancelou a "despesa".
É preciso deixar claro que não há perda direta e imediata para o trabalhador. Segundo a regulamentação em vigor, em caso de demissão sem justa causa, o empregador deverá depositar na conta vinculada do trabalhador uma indenização de 40%.
Esta é calculada sobre o total dos depósitos realizados na conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço durante o contrato de trabalho, devidamente corrigido, inclusive sobre os depósitos sacados durante a vigência do contrato. A conta para o empregador é mais salgada, pois deve recolher mais 10% a título de contribuição social. É esse o dinheiro que deixará de ser repassado para engordar o superávit primário.
As perdas do trabalhador são indiretas. Os recursos oriundos da contribuição social ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço fazem parte do total utilizado para financiamento habitacional e para investimentos na área de saneamento básico. Com menos verbas destinadas ao FGTS, em razão do corte da contribuição social, a Caixa Econômica Federal disporá de menos recursos para atender à crescente demanda de empréstimos para compra da casa própria, inclusive por aquelas famílias de menor renda, em condições de beneficiar-se do programa Minha Casa, Minha Vida, que seria poupado de qualquer redução, como garantiu o governo. Trata-se também, como a própria denominação do encargo indica, de um gasto social, que, na versão oficial, também não estaria sujeito a cortes.
Tudo se subordina à determinação do governo de obter um superávit primário do setor público de 3% este ano, que, em si, é um objetivo louvável, se levado a sério. De acordo com as melhores práticas da administração pública, o superávit primário deveria resultar da contenção rígida das despesas de custeio da máquina, jamais pelo corte sub-reptício de uma contribuição feita pelas empresas com uma finalidade perfeitamente definida.
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O Estado de S.Paulo
Para cumprir a meta do superávit primário do setor público nos últimos anos, o governo não tem hesitado em realizar manobras contábeis, incorporando receitas de estatais ou não levando em conta certas despesas. Este ano, pelo visto, não será exceção.
Nos cortes de R$ 55 bilhões anunciados na semana passada pelos ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, no Orçamento-Geral da União para este exercício, consta uma parcela de R$ 2,96 bilhões, relativa à multa adicional de 10% paga pelas empresas que demitirem trabalhadores sem justa causa, recursos que, por lei, deveriam ser creditados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), gerido pela Caixa Econômica Federal (CEF).
A jogada se tornou possível porque não há exigência de que o repasse seja feito "imediatamente" ao Fundo. Os atilados técnicos do governo se valeram da inexistência desse advérbio no texto legal para encaixar essa parcela nos cortes. E não foi especificado quando esses recursos voltarão para o FGTS, que pertence aos trabalhadores e não ao governo. Trata-se de uma verdadeira tunga. É como se a importância retida fizesse parte, para todos os efeitos, da arrecadação tributária do governo - quando na verdade o governo é mero intermediário entre a empresa que paga a multa e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que a recebe.
O governo, nesse caso, não improvisou. A artimanha vinha sendo tramada há tempo. Como mostrou o artigo de Ribamar Oliveira, publicado pelo jornal Valor (23/2), a tabela sobre resultados do Tesouro Nacional (de qualquer mês), constante da página do órgão, que pode ser acessada pela internet, informa, em nota de rodapé, que a metodologia utilizada "não inclui receitas de contribuição do FGTS e despesas com o complemento da atualização monetária, conforme previsto na Lei Complementar n.º 110/2001". A "limpeza", portanto, era feita há tempo, em antecipação ao corte de R$ 2,96 milhões, agora efetivado. Esse valor faz parte dos cortes incluídos nas "reestimativas de despesas obrigatórias". Ao reestimar, o governo passou por cima de uma obrigação legal, ou seja, ficou com a receita e cancelou a "despesa".
É preciso deixar claro que não há perda direta e imediata para o trabalhador. Segundo a regulamentação em vigor, em caso de demissão sem justa causa, o empregador deverá depositar na conta vinculada do trabalhador uma indenização de 40%.
Esta é calculada sobre o total dos depósitos realizados na conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço durante o contrato de trabalho, devidamente corrigido, inclusive sobre os depósitos sacados durante a vigência do contrato. A conta para o empregador é mais salgada, pois deve recolher mais 10% a título de contribuição social. É esse o dinheiro que deixará de ser repassado para engordar o superávit primário.
As perdas do trabalhador são indiretas. Os recursos oriundos da contribuição social ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço fazem parte do total utilizado para financiamento habitacional e para investimentos na área de saneamento básico. Com menos verbas destinadas ao FGTS, em razão do corte da contribuição social, a Caixa Econômica Federal disporá de menos recursos para atender à crescente demanda de empréstimos para compra da casa própria, inclusive por aquelas famílias de menor renda, em condições de beneficiar-se do programa Minha Casa, Minha Vida, que seria poupado de qualquer redução, como garantiu o governo. Trata-se também, como a própria denominação do encargo indica, de um gasto social, que, na versão oficial, também não estaria sujeito a cortes.
Tudo se subordina à determinação do governo de obter um superávit primário do setor público de 3% este ano, que, em si, é um objetivo louvável, se levado a sério. De acordo com as melhores práticas da administração pública, o superávit primário deveria resultar da contenção rígida das despesas de custeio da máquina, jamais pelo corte sub-reptício de uma contribuição feita pelas empresas com uma finalidade perfeitamente definida.
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