Opinião

Mulheres e cachorros

João Pereira Coutinho
Dúvidas sobre o casamento, todos temos. Mas Charles Darwin enfrentou o dilema com o racionalismo característico do século 19. Em 1838, perante o dilema de casar ou não casar com a prima Emma Wedgwood, o eminente cientista resolveu fazer uma lista com os prós e contras do matrimônio.

Conhecia a história, mas confesso que nunca tinha lido a lista com atenção. Um jornal inglês, no aniversário do nascimento de Darwin (12 de fevereiro) e antes do dia de São Valentim, publicou essa preciosidade.
Então encontramos duas colunas, nas quais razões para não casar suplantam incentivos para dar o nó.

Entre as primeiras, Darwin elenca o fim da liberdade para ir onde quiser; a necessidade de socializar com os parentes da mulher; a diminuição do dinheiro disponível para livros (e do tempo correspondente para lê-los); e a hipótese de haver discussões conjugais que são sempre uma perda de tempo (grande verdade, Charles).

Nas razões para casar, Darwin é mais lacônico: é bom ter companhia (sobretudo na velhice); é bom ter alguém para tomar conta da casa; e, bem vistas as coisas, "uma mulher sempre é melhor que um cachorro".
Apesar da escassez de motivos, Darwin acabou por casar. Podemos fazer listas e listas e listas. Mas o amor que sentimos por uma mulher acaba com qualquer lista.

Passaram quase dois séculos. E esse amor que Darwin sentia por Emma -visível nos seus escritos mais pessoais- talvez não se ajuste aos tempos modernos. Hoje, as manifestações de afeto do sexo masculino podem ser formas sutis de degradação do feminino. Estranho?

Longe disso. Ainda sobre o dia de São Valentim, a jornalista Jessica Abrahams escreveu na revista "Prospect" um ataque a esse dia apaixonado.

Para Abrahams, a data de São Valentim só expressa o "sexismo benevolente" que os homens ainda cultivam em relação às mulheres. Esse "sexismo", apesar de "benevolente", é apenas outra forma de subjugar o sexo feminino, atribuindo às mulheres um papel "démodé" e francamente inferior.

Oferecer flores, chocolates ou simplesmente "fazer a corte" é reduzir a mulher a um sujeito passivo e, quem sabe, sexualmente disponível. Exatamente como ocorre quando um cavalheiro abre a porta a uma dama ou paga a conta do jantar.

As palavras de Abrahams são corajosas e certeiras. Experiência pessoal. Durante anos, perdido em clichês conservadores, também eu abria portas a senhoras ou torrava o cartão de crédito em refeições elaboradas. Mas um dia, em Lisboa, um exemplar da espécie rosnou qualquer coisa contra o meu "sexismo benevolente".

Acordei do meu sono embestado e, sem exagero, renasci para a masculinidade. Para começar, os jantares eram pagos rigorosamente a meias -bebida a bebida, azeitona a azeitona-, e a poupança permitiu-me investir o pecúlio em livros, viagens e farras privadas.

E, em matéria de portas abertas, devo ter quebrado várias dentaduras a senhoras emancipadas. No início, ainda pensei em avisar: "Cuidado com a porta, madame!". Mas isso seria mais um gesto de "sexismo benevolente", especialmente quando a libertação das mulheres permite que elas paguem do próprio bolso uma reconstituição dentária.

Claro que, na relação entre sexos, ainda conservei por uns tempos noções arcaicas de afeto e galanteio. Flores, chocolates, mensagens privadas. Agora, graças a Jessica Abrahams, compreendo que reduzi as mulheres a um papel submisso e indigno. Mil perdões a todas elas.

E mil avisos a todos eles: rapazes, não sejam selvagens. Tratar uma mulher como mulher é, segundo Jessica Abrahams, agir de acordo com "pressupostos baseados em papéis de gênero". Melhor não agir. Melhor não ter pressupostos. Se isso significar uma separação permanente entre eles e elas, paciência: melhor a extinção da espécie do que o "sexismo benevolente".

E para quem pensa no casamento, nada melhor que reler a lista de Darwin e riscar os argumentos a favor do "sim". Até porque Darwin estava errado. "Uma mulher sempre é melhor que um cachorro?"

Isso é sexismo benevolente. Porque há mulheres e mulheres. E há cachorros e cachorros. 

Original aqui

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