Opinião

Recesso, mais um drible na lei

O ESTADO DE S.PAULO
Driblando mais uma vez a Constituição, deputados e senadores vão entrar em recesso branco sem ter votado o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A Copa terminou e a maioria dos brasileiros voltou ao batente, mas para os parlamentares o esforço de torcer deve ter sido especialmente esgotante. Uma regra constitucional proíbe interromper a sessão legislativa antes da aprovação daquele projeto. A proibição está no segundo parágrafo do artigo 57 e seu sentido prático é muito claro. Até o fim de agosto o Executivo deve encaminhar ao Congresso a proposta do Orçamento-Geral da União (OGU). Para montar essa proposta, os técnicos do governo devem levar em conta as prioridades, metas e outras condições fixadas na LDO. Essa é a exigência legal. E daí? Qual a importância dessa regra, quando se pode contorná-la com um pouco de conversa mole e nenhuma resistência séria entre os políticos?

Os congressistas têm experiência nesse jogo. O projeto da última LDO foi votado com muito atraso, mas nem por isso os parlamentares tiveram de renunciar às férias. As explicações podem variar de um ano para outro. Podem mudar também as motivações do atraso na votação da proposta do Orçamento. Já é quase rotina, em Brasília, começar o ano fiscal sem a programação financeira convertida em lei. Desta vez, decidiu-se adiar a votação da LDO para o começo de agosto por falta de quórum para o exame do relatório preliminar preparado pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). A responsabilidade pelo atraso foi atribuída à oposição. Parlamentares contrários ao governo teriam decidido bloquear a tramitação do projeto para manter em funcionamento o Congresso e a CPI da Petrobrás.

A manobra falhou. Não serão convocadas sessões para votação entre 18 e 31 de julho, segundo combinaram deputados e senadores. Comissões poderão funcionar, mas ninguém será obrigado a comparecer. Assim, os parlamentares ficarão livres para descansar ou para cuidar das campanhas eleitorais em seus Estados. Não haverá recesso, oficialmente, e a Constituição será simplesmente driblada. "Recesso é quando se paralisa o Legislativo. Quando apenas se deixa de convocar ordem do dia, o Congresso continua funcionando, as comissões podem se reunir e os parlamentares, fazer discursos no plenário", pontificou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Mas o recesso de fato irá muito além do fim de julho. O senador Renan Calheiros já anunciou a intenção de convocar, até as eleições, sessões deliberativas só para os dias 5 e 6 de agosto. Também para isso apresentou uma justificativa: deliberar durante o processo eleitoral poderá levar os congressistas a uma "zona cinzenta", onde poderão acabar votando matérias sem levar em conta o interesse nacional ou cedendo à demagogia. A motivação alegada, portanto, é nobilíssima. Trata-se de afastar os parlamentares das tentações associadas a interesses eleitorais. Nunca se sabe se alguém poderá fraquejar.

Em mais de 70 dias, portanto, os congressistas deverão ter apenas duas sessões deliberativas. O período de folga será maior, naturalmente, em caso de segundo turno. Se tudo der certo, o projeto da LDO será votado nas duas sessões previstas para agosto. Mas quem cuidará, no Congresso, da proposta do Orçamento federal? Como de costume, o texto deverá ser entregue no fim de agosto e um dirigente do Congresso o receberá com a solenidade necessária. Mas será uma enorme surpresa se o projeto for votado antes do estouro dos fogos de artifício em 31 de dezembro.

Se a tramitação for parecida com a do ano passado, quando não houve eleições, o governo eleito começará o mandato, em 1.º de janeiro, sem dispor de uma programação financeira completa. Poderá realizar nos primeiros meses somente alguns gastos indispensáveis, geralmente autorizados pelas normas orçamentárias. No próximo ano, essa limitação talvez faça pouca diferença. Se for prudente, o novo governo cuidará de economizar tanto quanto puder nos primeiros meses. Mas o verdadeiro ajuste, se estiver nos planos, só virá mais tarde.

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