Opinião

Não façam o que faço

O Estado de S.Paulo
Às vésperas de completarem um ano as primeiras revelações de que Washington conduzia o maior programa de espionagem eletrônica jamais concebido no mundo - exposto por um funcionário terceirizado da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA), Edward Snowden -, o Departamento de Justiça indiciou um grupo de militares chineses por invadir os computadores de cinco empresas americanas, entre elas as gigantes Westinghouse, US Steel e Alcoa.

Os militares servem na Unidade 61.398 do Exército da China. Baseada em Xangai, dedica-se à captura de segredos econômicos e tecnológicos armazenados em forma eletrônica. A sua atividade foi identificada no ano passado por uma empresa privada de segurança cibernética. Segundo as autoridades americanas, os hackers devassaram também os computadores do sindicato dos trabalhadores da US Steel. É a primeira vez que um governo toma a iniciativa de abrir processo criminal contra militares na ativa em outro país - no caso, o seu maior credor e um dos seus principais parceiros comerciais.

"A amplitude das informações roubadas exigia uma resposta agressiva", disse o secretário de Justiça Eric Holder. O FBI, por sua vez, imprimiu cartazes, sob o título "Procurados", com os nomes, as fotos e as funções dos militares, além da relação dos seus presumíveis delitos, como "acessar um computador sem autorização para obter vantagem comercial e ganhos financeiros particulares". A ficção é indisfarçável: os "procurados" nunca serão achados; julgados à revelia, poderão ser condenados a mais de 50 anos de prisão, dos quais não cumprirão nem um dia porque a China obviamente não os entregará; e, por fim, trabalham para o seu governo.

Pequim, além de negar que alguma vez tivesse tentado roubar segredos comerciais na internet e de se declarar um bastião em defesa da segurança na rede mundial - uma alegação mais incrível do que a outra -, comparou os EUA, sem dizê-lo nesses termos, ao ladrão em fuga que grita "pega ladrão". Em nota, a chancelaria chinesa lembrou ser de conhecimento geral que "há muito tempo os americanos têm conduzido atividades de furto eletrônico e ciberespionagem em larga escala contra autoridades estrangeiras, companhias e pessoas".

De fato, o aluvião de documentos vazados por Snowden, principalmente por intermédio do então colunista do Guardian, de Londres, Glenn Greenwald, atestam que a NSA, vinculada ao Departamento de Defesa dos EUA, monitorou as comunicações de líderes estrangeiros de países amigos, entre eles a chanceler alemã Angela Merkel e a presidente Dilma Rousseff, e de empresas como a Petrobrás. Isso enquanto dava a sua palavra de que "não fazia espionagem econômica em nenhum domínio". Na realidade, soube-se há pouco, havia invadido os servidores da empresa chinesa de telecomunicações, Huawei.

O presidente Barack Obama teria dito certa vez ao colega chinês Xi Jinping que uma coisa é espionar programas militares ou decisões de política externa de terceiros países, outra é roubar informações de uma empresa estrangeira para repassá-las a um congênere nacional. O New York Times cita casos de espionagem americana para "respaldar negociações comerciais" - beneficiando, afinal, determinados setores econômicos. Considerando os objetivos, não fica clara a diferença entre isso e a invasão chinesa dos computadores de uma Westinghouse, em negociações para a construção de usinas nucleares no país.

Tampouco está claro por que Washington resolveu provocar agora a China, que decerto retaliará. O fato é que a política asiática de Obama assume cada vez mais tons antichineses, como se viu na sua recente viagem à região. Ele foi ao Japão, Filipinas e Vietnã para deixar patente o seu apoio aos três países em suas desavenças marítimas com a China. As relações entre Tóquio e Pequim, em especial, passam por um período de crispação motivado pela disputa em torno de ilhotas, reivindicadas pela China, que quer expandir sua jurisdição naqueles mares. Para o governo Obama, trata-se de uma questão de monta.

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