Opinião

No pós-crise o Brasil derrapa

O Estado de S.Paulo
A maior crise mundial em 80 anos vai ficando para trás, mas o Brasil está fora das boas notícias. Há sinais de firmeza no crescimento americano, a Europa sai da recessão e o retorno da Grécia aos mercados financeiros, nessa semana, reforça as apostas mais otimistas, sem ocultar, no entanto, os perigos e os desafios à frente. O desemprego europeu continua elevado, o cenário geopolítico é preocupante e o financiamento para os países emergentes e em desenvolvimento pode ficar mais difícil, com a redução progressiva dos estímulos monetários no mundo rico - por enquanto, só nos Estados Unidos.

A maior parte dos emergentes está hoje menos preparada para choques do que em 2008. Em muitos deles, incluídos vários latino-americanos, as contas públicas estavam em condições boas ou no mínimo razoáveis. Havia espaço na área fiscal para políticas compensatórias, destinadas a amortecer o impacto. As contas externas se haviam fortalecido nos anos anteriores e as reservas acumuladas permitiam enfrentar tempos mais difíceis no comércio internacional.

O desgaste das condições iniciais foi muito menos acentuado em boa parte desses países do que no Brasil. Além disso, a piora dos indicadores foi quase sempre parcial. Muitos continuaram combinando crescimento firme, na faixa de 4% a 6% ao ano, com inflação baixa. A experiência brasileira foi parecida com essa apenas no começo. Depois desandou.

As contas públicas entraram em deterioração e o governo passou a maquiar o balanço fiscal. A inflação subiu e se alojou quase no limite da margem de tolerância. O setor industrial emperrou e perdeu espaço para os competidores estrangeiros até no mercado interno. O PIB passou a avançar muito lentamente, com média anual de apenas 2% nos três anos do atual governo. O resultado deste ano dificilmente será melhor que o de 2013. A maior parte das projeções conhecidas aponta números até inferiores a 2%.

Os sinais de maior expansão das importações e de emperramento das exportações já foram bem visíveis em 2007. Essa tendência foi contida por algum tempo na pior fase da crise, quando caiu a demanda de produtos estrangeiros. Mas o descompasso reapareceu nos anos seguintes e o superávit comercial encolheu rapidamente. Neste ano, o primeiro trimestre foi fechado com déficit superior a US$ 6 bilhões. O superávit contábil do ano passado só foi possível com a exportação fictícia de várias plataformas de exploração de petróleo e de gás. Sem isso, teria havido um déficit superior a US$ 5 bilhões. Apesar disso, o País ainda dispõe de bom volume de reservas, acima de US$ 370 bilhões.

Os problemas de competitividade são velhos, aumentaram nos últimos dez anos e tornaram-se perfeitamente visíveis no último triênio. Podem ter sido agravados, durante algum tempo, pela valorização cambial, mas a experiência confirmou seu caráter estrutural. O novo programa de concessões de infraestrutura, por sua vez, não oferece mais que soluções muito parciais para o problema da competitividade. E não se remove o entulho tributário apenas com desonerações seletivas e temporárias adotadas pelo governo federal. O conserto do sistema, um dos piores do mundo, só será possível com mudanças complexas e politicamente difíceis.

Nada mais natural que a presença do Brasil nas listas de países mais vulneráveis a choques e mais necessitados de ajustes e de reformas. Os sinais de alerta divulgados pelo FMI, nos últimos dias, resultam de uma avaliação baseada em fatos bem conhecidos. Agir para mudar os fatos seria bem mais eficaz que protestar contra as avaliações.

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