Opinião

Mantega e a solidez imaginária

O Estado de S.Paulo
Fundamentos sólidos são uma das condições para um crescimento econômico sustentável nos próximos anos, disse à imprensa o ministro da Fazenda, Guido Mantega, num aparente arroubo de realismo. Essa foi uma de suas poucas afirmações incontestáveis na entrevista concedida em Brasília na terça-feira, depois de uma reunião na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Bons fundamentos incluem finanças públicas em ordem, inflação sob controle e segurança nas contas externas. O ministro parece acreditar na existência dessas condições. Nisso coincide com sua chefe, a presidente Dilma Rousseff, mas essa crença conflita com os dados e a maior parte dos analistas independentes sabe disso. O aparente realismo durou pouco. Segundo Mantega, o Brasil está bem na foto - ele se referia ao cenário global - e cresce mais que outros países. Essa foto só deve ser visível em sua mesa. O crescimento brasileiro é de fato maior que o de vários países avançados, mais envolvidos na crise global, mas tem sido e continua sendo bem menor que o de muitas economias emergentes e em desenvolvimento, incluídas aquelas mais dinâmicas e mais arrumadinhas da América do Sul.

A situação fiscal, disse o ministro, deve continuar na "trajetória de solidez", mesmo com resultados, "em alguns momentos", inferiores às metas oficiais. Faltou mostrar, no entanto, essa "trajetória de solidez". Na melhor hipótese mencionada na entrevista, o superávit primário do setor público, destinado ao pagamento de juros, deverá chegar a uns R$ 99 bilhões e ficar muito longe da meta de R$ 111 bilhões. Mas isso dependerá do desempenho fiscal de Estados e municípios, porque o governo central só se compromete com R$ 73 bilhões, objetivo definido como seu no planejamento das contas públicas.

A referência a "alguns momentos" também revela notável autocomplacência. A política de receitas e despesas tem sido expansionista há vários anos e em 2012 o balanço final foi uma exibição escandalosa de contabilidade criativa. Mesmo o fraco resultado previsto para 2013 depende de abatimentos de gastos e de receitas extraordinárias, como indicou a quinta revisão bimestral da execução orçamentária.

As desonerações tributárias, comentou o ministro, foram benéficas para a indústria, mas será preciso tomar medidas para recompor a arrecadação. Mas o efeito real das desonerações foi muito menor do que as autoridades admitem. Alguns segmentos da indústria aumentaram as vendas e seus lucros, mas o conjunto do setor industrial continuou estagnado, incapaz de competir internacionalmente e com baixo nível de investimento, como têm comprovado relatórios tanto oficiais quanto das entidades privadas.

A inflação, segundo o ministro, jamais deixou de estar sob controle e a taxa acumulada neste ano deverá ser parecida com a do ano passado. De fato, as projeções apontam para algo próximo de 5,8% em 2013 e para um resultado muito próximo - talvez um pouco maior - em 2014. Nem o Banco Central, embora muitas vezes alinhado com o discurso da presidente, prevê a convergência para a meta, de 4,5%, antes de meados de 2015.

O ministro ainda condiciona seu otimismo a um cenário sem choque de oferta, como se a alta de preços, nos últimos tempos, fosse atribuível principalmente a esse fator. Se essa explicação fosse verdadeira, a inflação teria sido muito mais alta, principalmente no ano passado, em outros países emergentes ou em desenvolvimento. Por que os preços, no Brasil, seriam tão mais sensíveis à alta das cotações internacionais? Além do mais, muitos desses preços caíram ou se acomodaram, mas o resultado final da inflação, como admitiu Mantega, deve repetir o de 2012, mesmo com os truques adotados pelo governo.

Só a Conta de Desenvolvimento Energético deve consumir cerca de R$ 15 bilhões - um custo fiscal considerável. Esse gasto foi destinado principalmente a conter a alta das tarifas para maquiar o índice de inflação. O controle de preços de combustíveis, outro dos truques, impôs perdas importantes à Petrobrás, mas o governo ainda hesita em permitir o reajuste de preços. E ainda se fala em trajetória de estabilidade?

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