Opinião
Classe média sem fôlego
O Estado de S.Paulo
Pesquisas recentes atestam a dificuldade cada vez maior que os brasileiros estão enfrentando para pagar suas contas em dia. Fortemente estimulada nos últimos anos a consumir, graças a uma expansão inédita do crédito, a festejada classe média agora está atolada em dívidas - e isso deve minar a estratégia do governo para o crescimento da economia.
A situação claudicante do Brasil e de seus consumidores foi tema de reportagem de primeira página no Wall Street Journal e do principal editorial do New York Times, ambos no dia 9/10. Nos dois casos, destacou-se a fragilidade das bases que sustentaram a expansão da economia até aqui e se enfatizou a necessidade urgente de profundas reformas e de investimentos em infraestrutura, em produtividade e em educação, em vez de continuar insistindo no estímulo ao crédito.
O Wall Street Journal, em texto intitulado A conta chega para a classe média do Brasil, cita pesquisa da Fitch Ratings segundo a qual o endividamento dos consumidores brasileiros destaca-se negativamente entre as economias em desenvolvimento. O porcentual de empréstimos com atraso superior a 90 dias no País chegou a 5%, o dobro do índice verificado na Índia e maior do que em todos os demais emergentes, como Rússia e África do Sul. "A farra dos gastos acabou", diz o jornal, que qualifica a situação brasileira como um alerta a outros mercados emergentes que também lastrearam seu desempenho no crescimento da classe média.
O endividamento das famílias brasileiras já superou 45% de sua renda acumulada em um ano, o maior porcentual verificado pelo Banco Central desde 2005. O nível de endividamento mais que dobrou no período - era de 18,39% em janeiro de 2005 e cresce constantemente desde então.
O peso das dívidas no orçamento familiar mensal chega a cerca de 20%, um porcentual considerado muito alto para os padrões internacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse comprometimento é de 10%. Além disso, o custo das dívidas no Brasil praticamente não tem paralelo no mundo, pois os juros cobrados em linhas de crédito pessoal podem chegar a inacreditáveis 90% ao ano, em média.
Outras duas pesquisas, publicadas pelo Estado (9/10), apontam problemas semelhantes, que põem em dúvida o fôlego da classe média. Um levantamento feito pela Kantar Worldpanel, que faz sondagens sobre consumo, indica que mais da metade dos domicílios no País (51%) gastou mais do que ganhou em 2012. É o segundo ano seguido em que isso ocorre.
O fenômeno se explica em parte pela resistência da endividada classe média em abrir mão do padrão de consumo adquirido graças ao crescimento da renda e à expansão do crédito. Um estudo da Nielsen mostra que, no primeiro semestre deste ano, a quantidade de uma cesta de 131 categorias de produtos consumidos caiu 2,6% em relação ao mesmo período de 2012, enquanto o valor dela subiu 1,9%, descontada a inflação do período. Isso significa que o consumidor prefere reduzir as quantidades, na esperança de economizar, em vez de deixar de comprar os produtos que até pouco tempo atrás eram considerados supérfluos.
Incitados a ir às compras, graças à oferta abundante de crédito, que dobrou em cinco anos, os brasileiros endividaram-se com mercadorias que se desvalorizam, como eletrodomésticos e automóveis. As vendas de carros, símbolo mais reluzente dessa explosão de consumo estimulada pelo governo, mais que triplicaram entre 2004 e 2010.
O problema, como lembra o Journal, é que essa situação é insustentável se não houver produção que atenda à demanda. Como resultado da falta de investimentos em infraestrutura e em aumento da produtividade da indústria, somada aos gastos do governo e à corrida dos consumidores às prateleiras, o Brasil cresce pouco e a inflação resiste na casa dos 6%.
Tudo isso põe em dúvida a eficácia das políticas de incentivo ao consumo, que o governo não só pretende manter, como ampliar, principalmente para beneficiar os mais pobres - justamente os que mais sentem os efeitos deletérios da inflação.
Original aqui
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O Estado de S.Paulo
Pesquisas recentes atestam a dificuldade cada vez maior que os brasileiros estão enfrentando para pagar suas contas em dia. Fortemente estimulada nos últimos anos a consumir, graças a uma expansão inédita do crédito, a festejada classe média agora está atolada em dívidas - e isso deve minar a estratégia do governo para o crescimento da economia.
A situação claudicante do Brasil e de seus consumidores foi tema de reportagem de primeira página no Wall Street Journal e do principal editorial do New York Times, ambos no dia 9/10. Nos dois casos, destacou-se a fragilidade das bases que sustentaram a expansão da economia até aqui e se enfatizou a necessidade urgente de profundas reformas e de investimentos em infraestrutura, em produtividade e em educação, em vez de continuar insistindo no estímulo ao crédito.
O Wall Street Journal, em texto intitulado A conta chega para a classe média do Brasil, cita pesquisa da Fitch Ratings segundo a qual o endividamento dos consumidores brasileiros destaca-se negativamente entre as economias em desenvolvimento. O porcentual de empréstimos com atraso superior a 90 dias no País chegou a 5%, o dobro do índice verificado na Índia e maior do que em todos os demais emergentes, como Rússia e África do Sul. "A farra dos gastos acabou", diz o jornal, que qualifica a situação brasileira como um alerta a outros mercados emergentes que também lastrearam seu desempenho no crescimento da classe média.
O endividamento das famílias brasileiras já superou 45% de sua renda acumulada em um ano, o maior porcentual verificado pelo Banco Central desde 2005. O nível de endividamento mais que dobrou no período - era de 18,39% em janeiro de 2005 e cresce constantemente desde então.
O peso das dívidas no orçamento familiar mensal chega a cerca de 20%, um porcentual considerado muito alto para os padrões internacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse comprometimento é de 10%. Além disso, o custo das dívidas no Brasil praticamente não tem paralelo no mundo, pois os juros cobrados em linhas de crédito pessoal podem chegar a inacreditáveis 90% ao ano, em média.
Outras duas pesquisas, publicadas pelo Estado (9/10), apontam problemas semelhantes, que põem em dúvida o fôlego da classe média. Um levantamento feito pela Kantar Worldpanel, que faz sondagens sobre consumo, indica que mais da metade dos domicílios no País (51%) gastou mais do que ganhou em 2012. É o segundo ano seguido em que isso ocorre.
O fenômeno se explica em parte pela resistência da endividada classe média em abrir mão do padrão de consumo adquirido graças ao crescimento da renda e à expansão do crédito. Um estudo da Nielsen mostra que, no primeiro semestre deste ano, a quantidade de uma cesta de 131 categorias de produtos consumidos caiu 2,6% em relação ao mesmo período de 2012, enquanto o valor dela subiu 1,9%, descontada a inflação do período. Isso significa que o consumidor prefere reduzir as quantidades, na esperança de economizar, em vez de deixar de comprar os produtos que até pouco tempo atrás eram considerados supérfluos.
Incitados a ir às compras, graças à oferta abundante de crédito, que dobrou em cinco anos, os brasileiros endividaram-se com mercadorias que se desvalorizam, como eletrodomésticos e automóveis. As vendas de carros, símbolo mais reluzente dessa explosão de consumo estimulada pelo governo, mais que triplicaram entre 2004 e 2010.
O problema, como lembra o Journal, é que essa situação é insustentável se não houver produção que atenda à demanda. Como resultado da falta de investimentos em infraestrutura e em aumento da produtividade da indústria, somada aos gastos do governo e à corrida dos consumidores às prateleiras, o Brasil cresce pouco e a inflação resiste na casa dos 6%.
Tudo isso põe em dúvida a eficácia das políticas de incentivo ao consumo, que o governo não só pretende manter, como ampliar, principalmente para beneficiar os mais pobres - justamente os que mais sentem os efeitos deletérios da inflação.
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