Opinião

Neorrealismo italiano

O Estado de S.Paulo
Foi preciso que um ex-comunista de 87 anos, Giorgio Napolitano, mantido na semana passada pelo Parlamento na cadeira presidencial que ocupa desde 2006, tangesse os partidos italianos para formar um governo de unidade nacional, depois de dois meses de vazio político, teimosia e acrimônia. Ele os fez ingerir um remédio amargo à força de duras e justificadas críticas a mais essa exibição de irresponsabilidade, em um país cuja economia não cresce há 18 meses, nem voltará a crescer este ano, e cujos índices de desemprego já superam os 10% (e os 36% entre os jovens). O pior é que os cortes de salários, pensões e do gasto público em geral, adotados pelo governo tecnocrático do senador biônico Mario Monti, que sucedeu ao desmoralizado Sílvio Berlusconi em fins de 2011, não conseguiram minorar os sintomas da enfermidade que acomete a terceira mais rica nação da zona do euro.

A solução da convergência dos contrários que o calejado Napolitano (no Legislativo já lá se vão 60 anos) encontrou para o impasse tem prazo incerto de validade. Mas a bolsa italiana deu um salto de contentamento ao se consumar o acordo neorrealista por ele patrocinado. Era, afinal, a única alternativa viável no peculiar cenário político traçado pelas urnas no final de fevereiro. Das escolhas dos mais de 30 milhões de eleitores que compareceram à votação resultaram dois resultados improváveis - e antagônicos. O primeiro foi o espetacular desempenho do Movimento Cinco Estrelas (M5S) do comediante esquerdista Beppe Grillo. Com denúncias radicais ao sistema político, a começar do compadrio entre os seus beneficiários e da sua complacência diante das mazelas compartilhadas, Grillo concorreu em raia própria, negando-se a participar do costumeiro jogo de alianças eleitorais.

Para surpresa geral e desconforto dos políticos convencionais, o M5S se tornou o partido mais votado da Itália. Com cerca de 25% dos votos, elegeu 109 deputados (em 630) e 54 senadores (em 315). Outro resultado surpreendente, por representar um endosso a tudo o que a campanha de Grillo não se cansou de criticar, foram os 30% de votos colhidos pela coligação Povo da Liberdade (PDL), que permitiram ao seu execrado expoente Sílvio Berlusconi eleger 125 deputados e 117 senadores. Com isso, a favorita coligação Itália Bem Comum, do Partido Democrata (PD) de Pier Luigi Bersani (surgido das cinzas do antigo PCI), grosso modo também com 30%, ficou aquém da maioria absoluta de cadeiras para formar um governo próprio. Como bloco mais votado para a Câmara, ganhou, conforme as regras, os assentos que faltavam para chegar a 55% do total. No Senado, sem esse empurrão, ficou com os 123 obtidos nas urnas.

Pela lógica, para não falar em bom senso, Bersani e Grillo deveriam montar um governo de coalizão. Mas o segundo recusou a mão que o primeiro estendera. Como tantos outros movimentos que se nutrem da aversão aos políticos, o M5S prefere o conforto de ficar na oposição, jogando pedras no sistema, em vez de tentar reconstruí-lo. E a coligação Escolha Cívica, de Monti, com apenas 47 deputados e 19 senadores, não daria para o gasto. Assim, restou ao PD a até então impensável oferta de Berlusconi por uma coabitação para a salvação nacional. Como se observou nesta página, no dia seguinte às eleições, "o vácuo de poder dificilmente será superado sem um entendimento entre Bersani e Berlusconi". Na última semana, Napolitano amarrou o pacto pelo qual o ex-número 2 do PD, Enrico Letta, seria o novo primeiro-ministro. Angelino Alfano, próximo a Berlusconi, vice-premiê e titular do Interior, cuidará da imigração. O PD ficou com nove pastas, o PDL com cinco, Monti com três.

Na escolha de Letta, um economista de 46 anos que começou na Democracia Cristã e foi o mais jovem ministro da Itália, pesou una storia di famiglia: o seu tio Gianni foi colaborador próximo de… Berlusconi. E Letta foi a única figura de destaque no PD que aceitou se aliar ao Cavaliere. "Barrabás ressuscitou", investiu Grillo. "Era o único governo possível", resumiu Napolitano.

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