Opinião

Um exemplo contra o racismo

O Estado de S.Paulo
O ganês Kevin-Prince Boateng, embora tenha algumas qualidades como jogador, acaba de deixar sua marca no mundo do futebol por um motivo muito mais nobre. O meia do Milan abandonou uma partida amistosa contra um pequeno time italiano, o Pro Patria, depois de ter sido seguidamente insultado por torcedores locais. Eles imitavam um macaco toda vez que Boateng e outros jogadores negros do Milan, como o ganês Sulley Muntari, pegavam na bola. À atitude de Boateng seguiu-se outra, de maior importância: o resto do time imediatamente se solidarizou com ele e também deixou o campo, sob os aplausos de atônitos torcedores que estavam ali apenas para ver futebol, e não para serem cúmplices de manifestações de ódio.

O caso que envolveu Boateng não foi nem de longe o mais grave dessa persistente onda de racismo nos estádios da Europa, em especial no Leste Europeu, na Itália e na França. A integração do continente e a globalização foram responsáveis nas últimas décadas pela formação de equipes de futebol cada vez mais multiculturais e multiétnicas, o que pode explicar a violenta reação dos grupos ultranacionalistas que tomam as arquibancadas e entoam gritos de guerra contra minorias em geral. Recentemente, a maior torcida do Zenit, time de São Petersburgo no qual atua o atacante brasileiro Hulk, que é considerado negro pelos russos, lançou um manifesto exigindo que o clube não contratasse mais negros e homossexuais. "Não somos racistas, mas para nós a ausência de futebolistas negros no grupo do Zenit é uma importante tradição que reforça a identidade do clube", explicaram os tais torcedores.

Um exemplo positivo de ação contra o racismo é a campanha Kick it Out (chute para fora), que envolve todas as federações na Inglaterra desde 1993. A entidade que lidera esse esforço denuncia a discriminação e ajuda a combatê-la com ações educativas. O resultado é que as manifestações racistas praticamente deixaram de existir nos estádios ingleses, porque se tornaram simplesmente inaceitáveis. Ou seja: os torcedores que apenas gostam de futebol foram privilegiados em relação aos hooligans que se alimentam de ódio. Não há a ilusão de que esse tipo de projeto acabe com o racismo em si, mas é um avanço significativo que deveria servir de exemplo para o resto do continente.

No entanto, a Uefa, entidade responsável pela organização do futebol europeu, ainda hesita quando se trata de dar um passo além de suas burocráticas campanhas para combater o racismo. Seu presidente, o francês Michel Platini, chegou a dizer, em junho do ano passado, que o jogador que decidisse abandonar o campo depois de sofrer ofensa racista seria punido com medidas disciplinares. Questionado sobre que tipo de punição caberia aos torcedores racistas, Platini foi claro: "Não é um problema do futebol. É um problema da sociedade. Nós apenas regulamos os problemas do futebol".

A atitude de Boateng, no entanto, trouxe a questão para o centro do futebol. O Milan, em nota oficial, deu total apoio a seu atleta: "Basta. Aqueles que têm o coração da mesma cor do coração de Boateng e Sulley Muntari não podiam aguentar mais e decidiram que estava na hora de dar uma lição nesses idiotas". O ex-jogador francês Lilian Thuram, também negro, lembrou que foi a primeira vez que um clube grande tomou a frente e se manifestou claramente em casos assim. "A indiferença prevalece na maioria dos casos", disse Thuram, que festejou a "enorme ajuda na luta contra o racismo".

O gesto de Boateng e do time do Milan, portanto, deverá ter repercussão muito maior do que os insípidos slogans contra o racismo nos estádios. Os dirigentes do futebol gostam de dizer que esse esporte é capaz de unir os povos, mas muito pouco fazem para efetivamente marginalizar os racistas e os xenófobos. Ao abandonarem o campo, o atleta negro do Milan e seus companheiros brancos deixaram claro que não se sentiam obrigados por nenhum tipo de contrato a suportar a hostilidade de criminosos que infestam os estádios europeus. Que outros sigam seu exemplo.

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