Nunca verás...

Um caso de liberalismo à moda tupiniquim

Sidney Borges
A VASP nasceu na rua Boa Vista, no centro de São Paulo, a Wall Street nacional, onde o capitalismo verde e amarelo criou cofres fortes para guardar as riquezas provenientes do café e da industrialização nascente. Rua de bancos e do melhor sanduíche de pernil do mundo.

No início da década de 1930 o homem voava pra cá e pra lá e "nestepaiz" alguns capitalistas resolveram diversificar as atividades e ganhar dinheiro com a exploração do transporte aéreo. Na verdade já tinha gente fazendo isso, os alemães da Condor e os americanos da Panair. Se eles podiam nós também podíamos.

Pensando nos lucros exorbitantes que seriam auferidos a fina flor do capitalismo cafeeiro/industrial se reuniu no dia 4 de novembro de 1933, no edifício de número 25 da rua Boa Vista e fundou a Viação Aérea São Paulo - VASP, sociedade anônima destinada a explorar os céus da nação transportando riquezas e transformando os 42 acionistas fundadores em homens mais ricos, pois ricos eles já eram.

O capital inicial de 400 contos de réis foi dividido em 2 mil ações nominais de 200 mil réis cada uma, como conta Aldo Pereira em seu excelente livro "Breve história da aviação comercial brasileira", da editora Europa.

A diretoria da nova empresa ficou assim definida: Heribaldo Siciliano (presidente), Antônio Carlos Couto de Barros (vice-presidente), José Mariano Camargo Aranha (secretário-geral) e Fernando Guedes Galvão (tesoureiro).

Estes personagens que hoje fazem parte da história pertenciam aos tradicionais troncos paulistas dos endinheirados de berço, homens de negócios que exalavam dignidade e impunham respeito com seus bigodes cuidados e semblante austero. Gente insuspeita de sangue azulado que descendia dos fundadores de São Paulo.

No dia 12 de novembro, oito dias após a fundação ser lavrada em ata, no Campo de Marte, duas senhoras da alta sociedade paulistana, Olívia Guedes Penteado e Antonieta Caio Prado, vestindo costumes de renomados costureiros franceses, batizaram os dois aviões Monospar adquiridos aos ingleses. Ao Vasp-1 coube o nome de Bartolomeu de Gusmão e o Vasp-2 foi chamado de Edu Chaves. Logo após o espoucar dos champanhes os aviões decolaram rumo a Rio Preto e Uberaba. A VASP, empresa genuinamente nacional, começou nesse dia a singrar os céus da imensa nação dormente, mas pronta a despertar.

Em junho de 1934 mais um avião foi adquirido, um De Havilland Dragon Rapide, como os outros também inglês, mas com mais capacidade, podia levar oito passageiros e dois tripulantes.

As coisas iam bem até que em 1935 choveu muito e o Campo de Marte inundou, interrompendo as operações de pousos e decolagens.

Nesse momento crítico surgiu o espírito liberal tupiniquim em sua plenitude. Se a empresa está em dificuldades pedimos socorro à viúva. Nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra e em outros países capitalistas os acionistas tirariam dinheiro do bolso ou recorreriam a bancos. No Brasil isso é uma heresia, quando a empresa vai bem aumentamos a fortuna, quando vai mal o governo arca com os prejuízos.

Os diligentes e honrados homens de negócio que geriam a VASP, diante da terrivel possibilidade de ter de usar dinheiro próprio, correram atrás de um baluarte do liberalismo, o interventor Armando de Salles Oliveira que governava o Estado e o Município de São Paulo.

Foi assim que a VASP aumentou seu capital para 3 mil contos de réis, saiu das dificuldades e ganhou um acionista majoritário, o Estado de São Paulo.

Como pudemos acompanhar, um grupo de liberais capitalistas, defensores da livre iniciativa transformou uma sociedade anônima privada em empresa estatal com a ajuda de um liberal de carteirinha.

A partir da entrada do novo sócio a VASP prosperou. E nem bem a coisa aconteceu começou a cantilena liberal pedindo a privatização.

Conclusão, de tanto clamarem pelo diabo o chifrudo apareceu. Quércia (que Deus o tenha) vendeu a VASP pro Canhedo e este, sem ajuda do governo quebrou. Acabou a história, morreu a vitória, entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra. 

Sugestão do autor: não acredite em conversa de capitalista brasileiro, com raras exceções vivem sugando as tetas do governo que por sua vez é sustentado pelos escorchantes impostos que você paga. Tenho dito.

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