Opinião

Vitória apertada

O Estado de S.Paulo
Uma nação bem mais dividida do que aquela que o consagrou há quatro anos manteve na Casa Branca o presidente Barack Obama, rejeitando a plataforma do candidato republicano Mitt Romney de cortes de impostos e dos gastos sociais - menos Estado, em suma -, para reanimar a economia e conter o déficit público. Mesmo a maioria dos insatisfeitos com os modestos progressos obtidos por Obama no combate à mais severa recessão desde a Grande Depressão dos anos 1930, que surgiu pouco antes de sua primeira vitória, parece ter preferido o certo ao perigoso. Grosso modo, a densidade dessa maioria variou conforme a posição dos seus membros na escala social. Quanto mais pobre, vulnerável e inseguro o eleitor que enfrentou horas de fila nos postos de votação, maior foi a sua propensão para barrar o acesso ao governo de um representante acabado do "poder do dinheiro". Não hão de ter sido poucos, a propósito, os que se sentiram pessoalmente ofendidos ao saber que Romney havia dito que 47% da população vivia à custa do governo - e foram ao revide.

Ao voto dos have not somou-se o dos hispânicos, como se designam nos EUA os habitantes de origem latino-americana, com uma presença sem paralelo na história das eleições presidenciais do país. Romney revoltou esse contingente cada vez mais ativo na vida nacional, ao lado dos asiáticos, ao defender na campanha a "autodeportação" dos imigrantes ilegais. Os números apertados da disputa na Flórida deixaram patente a repulsa dos latinos à ameaça a muitos dos seus - nesse país construído por forasteiros e em plena aceleração da diversidade demográfica. Além disso, parte ponderável do eleitorado feminino bisou o apoio dado a Obama em 2008, enquanto aumentou o apoio da sociedade à nova agenda de liberdades civis, a que os conservadores têm horror, com o casamento gay, o direito ao aborto que procuram bloquear, a separação entre ciência e religião, e desta do Estado. A coalizão social obamista incluiu ainda os muitos para os quais a nova lei da saúde, que os republicanos pretendiam derrogar, representa um avanço histórico - o que, de fato, é.

Com tantos eleitores com tantos motivos para reeleger o presidente, apesar do desmanche do seu mito, era de esperar, talvez, que ele tivesse nas urnas um desempenho, se não à altura do pleito anterior, pelo menos que não o apequenasse. Não foi o que aconteceu: o conservantismo é uma força na América profunda. Embora não se saiba quando serão conhecidos - e pacificados - os números finais da disputa direta pela Casa Branca, tudo indica que Obama terá sobre Romney uma vantagem nitidamente mais modesta do que os 7 pontos porcentuais com que deixou John McCain para trás em 2008. Em votos, a diferença foi de 9,5 milhões, em 130 milhões depositados. Já agora, na média das últimas pesquisas antes do 6 de novembro, Obama vencia por menos de 1 ponto. As projeções de ontem, apresentadas com compreensível cautela, sugeriam que a vantagem poderá alcançar 2,5 pontos, mas dificilmente irá além. Obama saiu-se um tanto melhor do que o oponente em quase todos os Estados-pêndulo, disputados voto a voto. Foi o que bastou, nesse restritivo modelo eleitoral, para ele conquistar a maioria dos 538 delegados que, afinal, escolhem o presidente.

De qualquer modo, Obama não voltará a ter os 365 "votos eleitorais" de 2008, ao passo que Romney superará os 173 de McCain. E, como se previa, os republicanos mantiveram na Câmara dos Representantes a maioria tomada aos democratas nas eleições de meio de mandato de 2010; em compensação, estes consolidaram o seu domínio no Senado. O que interessa é que os republicanos parecem tão refratários ao diálogo com Obama como estiveram ao longo do período presidencial que, rancorosamente, se empenharam em manietar. A vantagem de Obama, a curto prazo, é ser esse um Congresso em fim de mandato. É improvável que a atual oposição se negue a um acordo que impeça os EUA de cair no "abismo fiscal". É o que ocorrerá se não for desativado a tempo o pacote de US$ 600 bilhões em cortes de gastos e aumento de impostos, a entrar em vigor em janeiro. A partir daí Obama terá de provar, como disse, já reeleito, que "o melhor ainda está por vir".

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