Coluna do Celsinho

Humanidade

Celso de Almeida Jr.
Na meia idade, dizem que os seres humanos tendem ao misticismo.

Não acontece com todos, mas muitos embarcam nesta viagem.

Comigo não foi diferente.

Antes de entrar nos quarenta, tive contato com uma organização espiritualista.

Um dos pilares da entidade - a harmonia no relacionamento humano - foi o que mais me atraiu.

Quando visitei a instituição, na capital paulista, fui muito bem recebido por uma diretora que, com muitas mensagens construtivas, convenceu-me a participar.

Não escapei de uma ajudazinha anual e da compra de alguns livrinhos.

Nada, porém, que estourasse o meu orçamento.

Todo mês, passei a receber, via correios, uma revistinha com belos textos, pregando harmonia...

Certo dia, o convite para estar numa assembleia da instituição coincidiu com a minha presença na pauliceia.

Tratava-se da alteração do estatuto da entidade, antiquíssimo, ajustando-o ao novo código civil.

Pontual, sentei num banco do templo.

Lá na frente, uma mesa contava com o presidente e seus conselheiros.

Estes pediram que algum participante assumisse a condução dos trabalhos, coordenando a discussão para as alterações estatutárias.

Um microfone garantiu a manifestação dos representantes das muitas caravanas de todo o Brasil.

Para minha surpresa, uma nítida disputa de poder foi exaltando os ânimos.

Ingênuo, pedi a palavra.

Disse que os pensamentos que destacavam a valorização da harmonia para garantir um mundo melhor convenceram-me a participar.

Com esta lembrança, pedi que voltássemos à serenidade.

Quanta inocência...

Alguém sugeriu o meu nome para coordenar a assembleia.

Quando vi, por aclamação, fui levado à mesa principal para assumir os trabalhos.

Naquele instante, aquela diretora que meses atrás tão carinhosamente convenceu-me a ingressar, pediu a palavra.

Eu, obviamente, concordei, imaginando que ela colaboraria para acalmar o ambiente.

Quanta imprudência...

Ela simplesmente “desceu a ripa” no presidente da entidade, insinuando o seu envolvimento em negócios fraudulentos.

Imagine, prezado leitor, querida leitora, a minha cara...

A pancadaria foi tão violenta que um dos conselheiros soprou-me no ouvido: “encerre os trabalhos”.

Assim, interrompi o tiroteio, sugerindo uma nova data para a assembleia.

Com a aprovação, encerrei a reunião, dizendo que certamente foi a presidência mais curta que exerci.

Não gerei harmonia, mas garanti boas gargalhadas.

No carro, de volta para Ubatuba, refleti sobre aquela catástrofe.

Quanta distância do magnífico conteúdo pregado para as ações praticadas...

Desinteressei-me pelas questões espirituais.

Elas são maravilhosas e merecem todo o respeito.

Entretanto, não tenho paciência para viver em dois mundos.

Voltei ao planeta, consciente de que alcançar a harmonia exige mais ação e menos teoria.


Comentários

Malheiros disse…
Caro Celso,

Observo a você que ação sem planejamento pode levar, e quase sempre leva, ao resultado oposto ao que pretendemos obter (mais ou menos como tua curta presidência). Assim, tua proposta de "mais ação e menos teoria" precisa ser relativizada, contextualizada, especificada. Teoria demais gera nada. Ação demais leva à disputa, às vezes acirrada e deletéria (!). É mais ou menos como ensino profissional - para obter melhores resultados, é preciso conhecer a teoria do que fazemos. Inclusive e principalmente para ter condições de inovar.
Assim, é preciso avaliar cada "organização espiritualista" de que você fala (você não explicou, mas suponho que tenham a ver, em algum grau que seja, com religião, ou com a busca da "paz mundial"). É um terreno pantanoso, reconheço.
Saulo Gil disse…
Li e gostei.

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