Opinião

O fim de uma provocação

Editorial do Estadão
A três dias de completar oito meses na Casa Branca, o presidente Barack Obama apresentou na quinta-feira a sua primeira iniciativa concreta de repercussão global no âmbito das relações exteriores dos Estados Unidos. Com um movimento efetivo no tabuleiro da grande política internacional, ele finalmente foi além da sua notória perícia no manejo das palavras - como ao estender a mão ao Irã, já no discurso de posse, e ao defender uma nova atitude política e cultural americana diante do mundo islâmico, na memorável alocução de 4 de junho na Universidade do Cairo. Desta vez, os fatos falaram, inaugurando um novo padrão de relacionamento dos Estados Unidos com a Rússia e o Leste Europeu. Obama removeu um dos mais tóxicos detritos da falida estratégia do governo Bush para aquela parte do mundo: o plano de instalar na Polônia e na República Checa um escudo antimísseis de longo alcance, que poderiam vir a ser lançados do Irã ou da Coreia do Norte contra os EUA e seus aliados europeus.

Desde a primeira hora, Moscou reagiu ao projeto, anunciado em janeiro de 2007, como uma ameaça e uma provocação. Do ponto de vista militar, o esquema puramente defensivo, constituído por uma base de radar em território polonês e uma bateria de 10 foguetes interceptadores em solo checo, não representaria uma ameaça à segurança russa. Já a provocação era gritante: a pretexto de se precaver contra um risco que a Rússia considerava imaginário - e que agora Washington remete para o futuro -, a decisão americana embutia a pretensão da política externa neoconservadora dos anos Bush de fincar uma presença armada, humilhante para os russos, em dois países que lhe são refratários (um, invadido pela União Soviética em setembro de 1939; outro, em agosto de 1968), ambos na "esfera de influência" de Moscou. E este é historicamente o conceito central da sua doutrina militar e o princípio estratégico de suas relações com os vizinhos na imensa área entre o Rio Vístula, na Polônia, e o Mar Negro, no Cáucaso.

Bush deixou para Obama a herança da crispação - em níveis próximos aos da guerra fria - do diálogo russo-americano. Diante de um líder autocrático, exacerbadamente nacionalista e decidido a restaurar a grandeza russa, como o então presidente e atual primeiro-ministro Vladimir Putin (e para irritação dos governos da França e Alemanha), Bush defendeu o ingresso da Geórgia e da Ucrânia na OTAN, a Aliança Atlântica de que, por sinal, Polônia e República Checa já são membros. No verão europeu do ano passado, a Rússia invadiu a Geórgia depois que, desavisada por Washington, tentara anexar as províncias separatistas pró-russas da Ossétia do Sul e da Abkházia. Com a troca de ocupantes da Casa Branca, a nova secretária de Estado, Hillary Clinton, foi orientada a oferecer ao colega russo Serguei Lavrov que apertassem a tecla restart para recompor as relações bilaterais.

A iniciativa prosperou com a alegada descoberta da espionagem americana de que o programa iraniano de produção de mísseis intercontinentais estava menos adiantado do que o dos projéteis para curtas e médias distâncias, capazes de atingir, por exemplo, Israel. Já não faria sentido, portanto, insistir no escudo abominado pelos russos, a ser substituído por um sistema de prevenção mais eficaz, flexível e avançado. Numa primeira etapa, essa nova "arquitetura de defesa" se baseará na instalação de sensores e mísseis menores de interceptação, a bordo de navios fundeados no Mediterrâneo. Mais adiante, entre 2011 e 2015, o sistema terá uma base em terra, talvez na Turquia. A partir de então, contará com interceptadores efetivos contra mísseis de longo alcance. O caráter defensivo do sistema permanecerá intacto. Obama espera dos russos a contrapartida do apoio na ONU à aprovação de sanções adicionais ao Irã.
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