Ramalhete de "causos"


Filósofos do alambique

José Ronaldo dos Santos
“No canto direito da praia existe um filete de água que deságua no mar. Reparem bem que vocês verão”. Dessa forma escutei, num dia distante, o briguento Salomão a principiar seu causo numa roda, regada por umas garrafas de Riopedrense, rente à Pedra do Robalo (que separa as praias Barra e Dura). E continuou: “Naquele canto, pegando todo o jundu e o morro que se avista, era a fazenda dos meus antigos; portugueses que traziam nos nomes o orgulho dos Bureta. Na verdade era um grande alambique. Lá, até 1920, a minha gente produziu pinga. E das boas! Bem superior a esta aqui! (E erguia a caneca). Ali existia um rio por onde subiam canoas de voga para o embarque das pipas que tinham como destino o Rio de Janeiro ou Santos. Agora tem aquela água mixa que, se duvidar, nem molha o pé inteiro. Contava o meu pai que era costume da fazenda ter duas horas de almoço para todos, onde havia uma mesa grande, com modesta comida e pinga para todos, onde conversavam muito, como se fosse um exercício regular a cada dia. O velho Bureta chamava o tal momento de Hora do Banquete. O assunto quase sempre descambava para a putaria, pois segundo o meu pai, a portuguesada se achava num paraíso liberado, bem longe da fiscalização da religião, onde Adão e Eva ainda continuavam pelados e felizes, experimentando da fruta sempre que dava vontade. Mas sempre tinha aqueles que, apesar das doses desmedidas da boa cachaça, não perdiam a seriedade; traziam temas sérios para a época”. Nesse momento alguém perguntou: “O que podia ser sério naquele tempo?” “Ah!” –continuou o narrador – “Eles queriam entender, só para exemplificar, porque o chifre é tão milagroso, serve para curar tantas coisas”. Mais uma interrupção: “Mas chifre é milagroso? Quem disse isso?”. “É sim! Chifre é milagroso!” A afirmação veio do Francolino. E completou: “Vocês não estão vendo o Bito Sodré agora curadinho? Até já voltou a trabalhar embarcado! Quem diz que ele teve doença feia e que ficou quase ano acamado, mais para a morte do que para a vida? Sabe o que curou aquele homem? Foi chifre! Chifre, sim senhor! Só dessa roda eu conheço três que levantaram o vestido da mulher do coitado. Agora mesmo, com o homem embarcado na ‘Catarinense’, onde vocês acham que está dormindo o Fidêncio? Por isso eu digo que, apesar da pouca-vergonha, chifre é um santo remédio!”. “É mesmo!” A concordância foi geral. E riram. De nada adiantou o Salomão se espernear e dizer que não era desse tipo de chifre que discutiam. E a risada se multiplicou antes de um novo “tema filosófico”. E tome outra rodada de cachaça no jundu!

Sugestão de leitura: Leite derramado, de Chico Buarque.

Boa leitura!

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